Filosofia

Filosofia não serve para nada

Por Nelson José de Camargo*

Depois de muito filosofar, cheguei à conclusão de que a filosofia não serve para nada. Para justificar tal conclusão, apresento a seguir uma série de argumentos irrefutáveis.

O maior empresário brasileiro e um dos homens mais ricos do mundo (em breve o mais rico) é um verdadeiro exemplo de empreendedorismo. Dedicou-se a estudar coisas práticas, como prospecção de petróleo, e graças a ele nosso país será em breve uma grande potência petrolífera. E ele jamais leu as Meditações de Descartes.

O melhor presidente do Brasil em todos os tempos, que erradicou a miséria e fez do nosso país uma potência emergente, nunca ouviu falar em juízos analíticos e juízos sintéticos. Na verdade, ele se orgulha de nunca ter lido um livro na vida.

O maior cantor de todos os tempos, nosso verdadeiro rei, jamais se preocupou com qualquer discussão sobre liberdade, democracia, autoritarismo, censura ou todas essas baboseiras acadêmicas.

Nossos craques de futebol nunca ouviram falar em dialética, lógica, pré-socráticos, socráticos, filosofia helenística e todas essas velharias poeirentas que ficam mofando nas bibliotecas, mas encantam o mundo com suas jogadas espetaculares nos grandes clubes da Europa.

Animais são melhores que pessoas?


Por Nelson José de Camargo*
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A ação de ativistas de defesa dos animais que “resgatou” 178 cães da raça beagle que seriam usados em testes levanta a seguinte questão: é ético fazer testes em animais? É ético, em qualquer circunstância, matar animais, ainda que seja para alimentação?

Tem crescido no mundo o número de adeptos do vegetarianismo radical, que se autodenominam vegans (ou veganos). Tais pessoas recusam-se a consumir qualquer produto de origem animal, inclusive leite e ovos e seus derivados, e com frequência promovem ações semelhantes ao do “resgate” dos beagles.

Peter Singer, filósofo australiano, já revelou simpatia pelas posições dos vegans. Uma vez que os animais são seres que sentem dor, sofrem e têm, segundo pesquisas científicas, até mesmo formas de linguagem e raciocínio, não seria aceitável usá-los em testes de medicamentos e muito menos na alimentação.

Na natureza há dois tipos de seres vivos: os autótrofos, como plantas e alguns microrganismos, que são capazes de produzir seu próprio alimento, por fotossíntese ou quimiossíntese; e os heterotróficos, que precisam obter alimento a partir de outros seres vivos. No caso dos heterótrofos, há os consumidores primários, cuja dieta é estritamente vegetariana; e há consumidores secundários, terciários etc.; eles se alimentam de outros heterótrofos, isto é, de plantas e/ou de outros animais.



Por João Carlos Ruzza*
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Muito já se tentou no sentido de formular uma definição do que seria a filosofia ou, mais precisamente, o pensamento filosófico. O que parece permanecer após todas estas tentativas são algumas características que, se não o definem ao menos justificam a sua relevância para o conhecimento humano. Reflexão, crítica, formulação de novos conceitos para nos referirmos a fenômenos já existentes, relações antes ignoradas entre as coisas, desnaturalização de “lugares comuns” e, como efeito colateral desejável, o abandono da pretensão de que seria possível abarcar todo o conhecimento numa só visada e definitivamente.

Vilém Flusser[1] participa desta tradição de modo muito peculiar e de importância ainda a ser reconhecida. O pensamento Flusseriano dá a impressão de ser registrado no mesmo momento em que é concebido ou, mais radicalmente, parece confirmar aquilo que intuímos quando afirmamos que algumas coisas só se realizam no ato de serem verbalizadas. Trata-se de pensamento vivo debruçado sobre o devir das coisas e, portanto, em constante transformação. Pensamento experimental, complexo e de certo modo, dialógico no sentido que dá Morin[2] a este termo.

Exemplo representativo de tal pensamento pode ser encontrado em seu texto “Arte de retaguarda” (FLUSSER, 1972)[3]. Trata-se de uma análise fenomenológica do gesto artístico que parece ter como objetivo principal a “desmagicalização dos nossos conceitos em arte”. No entanto, como é comum em seu pensamento, o tema principal serve como base de lançamento para vôos bem maiores, subterfúgio para uma reflexão sempre mais ampla e que acaba sempre por ampliar-se ainda mais para temas recorrentes que lhe são caros.

Liberdade, angústia e amor


Por Ana Lúcia Sorrentino*
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 Certa vez, assistindo a uma palestra de José Thomaz Brum1, impressionou-me a resposta do palestrante a um rapaz que lhe perguntou sobre o sentido da morte na obra de E. M. Cioran2. Disse Thomaz Brum que lhe parecia que quando Cioran falava sobre a morte não estava falando da morte tal qual a conhecemos, mas de tudo aquilo que não vivemos. Que logo que despontamos para a adolescência começamos a perceber o quanto a vida é rica em possibilidades, mas mesquinha em realizações. E que era a essa defasagem que Cioran provavelmente se referia. 

Algum tempo antes, eu lera um artigo de Gustavo Gitti3 em que ele colocava em questão exatamente essa discrepância entre a abundância com que a vida nos acena e a pouca vida que vivemos de fato. O foco central do texto eram os relacionamentos e Gitti usava um tom encorajador, estimulando o leitor a ser mais proativo na tentativa de realizar os próprios desejos. Defendia que todos queremos as mesmas coisas – atenção, carinho, amor - e que, portanto, devíamos ser mais corajosos na exposição de nossos sentimentos, e, enfim, mais transparentes e afetuosos.

Essa questão era recorrente nas minhas reflexões e imediatamente me identifiquei com as ideias do autor. Naquele momento, eu vinha protelando uma necessária conversa com um amigo, por temer sua reação à minha autoexposição. O texto de Gitti foi como um pontapé no traseiro, e me fez superar meus receios e ser clara. O que resultou numa enorme frustração, porque meu amigo não estava habituado a lidar com a clareza e menos ainda com a liberdade. Assustou-se, e passamos por um período conturbado que, felizmente, foi superado.

Por João Carlos Ruzza*



Uma questão central, recorrente e que, de certo modo, permeia quase toda obra sartreana é sem dúvida o problema da liberdade X contingência. Se a mesma afirmação poderia também ser estendida a grande parte da filosofia como um todo, na obra de Sartre ela ganha caráter de fundamentação e também surge como foco de controvérsias, críticas e análises, as mais diversas.

O objetivo deste ensaio é, fechando ainda mais o foco sobre tal questão, abordar o conceito sartreano de “má-fé” e suas possíveis implicações em relação à concepção de liberdade na obra de Sartre sem, no entanto, a menor pretensão de esgotar o assunto e sempre levando em consideração o espaço relativo a este trabalho.

Sabemos da importância da frase “a existência precede a essência” para o existencialismo de Sartre. Seu exemplo do “corta papel” no texto “O existencialismo é um Humanismo”, de 1970, diferencia diametralmente nós, humanos, daquilo que seriam os objetos inanimados e criados a partir de projetos elaborados com objetivos específicos. Quer dizer, se em relação a um corta papel podemos apontar sem problemas a idéia e o intuito que o gerou, a nós humanos o mesmo não se aplicaria, não haveriam pré-projetos relacionados a nossa gênese como seres humanos. Seria, então, contrariar a idéia aristotélica de que o homem possui uma essência, que significaria que ele é pré-definido por uma lei absoluta, niversal e pré existencial, e que sua liberdade estaria restringida ao campo de possibilidades (potências) que esta essência lhe permitiria.

Assim, se à idéia de humano podemos, de algum modo aplicar a idéia de projeto, este seria um projeto aberto, não determinado, criado e direcionado por nós mesmos a partir de nosso agora, de um nada que seria a constituição inaugural daquilo a que chamamos de consciência.

Filosofia e literatura



Por Nelson José de Camargo*

Filosofia e literatura têm diferenças e semelhanças. Ambas usam a linguagem para comunicar algo a alguém. Na Filosofia, o principal objetivo é expressar conceitos, ideias. Na literatura, existe a narrativa, isto é, o ato de contar uma história.

No entanto, a diferença entre uma obra literária e uma filosófica é mais sutil do que pode parecer à primeira vista. Os diálogos de Platão, por exemplo, poderiam muito bem ser enquadrados nas duas categorias – literatura e filosofia.

Ninguém dirá que Kant foi um literato – no sentido de que seu texto tem elegância e estilo dos grandes escritores – mas o que dizer de um Nietzsche? Poemas e aforismos, tão frequentemente empregados pelo autor do Zaratustra, são formas literárias.

Rousseau foi autor de um romance de sucesso na época: A bela Heloísa. Sartre tornou-se conhecido não apenas por sua filosofia, mas também pelos seus romances. E poucos escritores são tão filosóficos como Thomas Mann e Machado de Assis.

A Filosofia, como diz Wittgenstein, deve “tornar claros e delimitar precisamente os pensamentos, antes como que turvos e indistintos”[1]. Nem sempre a literatura é assim: basta ler autores obscuros como Joyce para comprovar.


Você e Deus


Por Ana Lucia Sorrentino*
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Quem começa a se interessar por filosofia logo percebe que Deus e o Amor são temas recorrentes nos textos filosóficos.Em “Amor” André Comte Sponville, filósofo francês da atualidade, afirma ser esse assunto o mais interessante de todos. Contra os que não concordam com essa ideia, Comte argumenta que, mesmo que não estejamos falando de amor, estamos sempre falando do amor que temos por algo ou por alguém.

Assim como o Amor, Deus parece ser, senão o assunto mais interessante, um assunto quase sempre inevitável para os filósofos. Se ele não for o tema central da reflexão, acabará sendo a causa ou solução para quase tudo que não se consegue compreender ou assimilar.

Muitas vezes a motivação primeira dos questionamentos filosóficos é um profundo sofrimento por conta de imposições religiosas baseadas em ideias fantasiosas sobre Deus. E não é raro que, na busca pelas suas verdades, o filósofo acabe se enroscando em suas próprias teorias e termine apelando para Deus. Não é muito difícil entender o porquê disso.

Deus é uma daquelas verdades que encontramos prontas quando chegamos ao mundo. Recebemos essa ideia já elaborada e ao longo de toda a nossa vida, tentaremos entendê-la e estabelecer com ela a melhor forma possível de relacionamento.

Mal aprendemos a pronunciar “mamãe” e já estamos às voltas com “Papai do céu”. Crescemos convivendo o tempo todo com expressões como “Vai com Deus, Deus é mais, Deus te acompanhe, Deus te ajude, Deus te Guie... Deus castiga. Deus sabe o que faz. Deus escreve certo por linhas tortas. Graças a Deus... Meu Deus!” – Como é que poderíamos conceber com facilidade a ideia de um mundo sem um criador?Com todo respeito, e pedindo aos filósofos de carteirinha que me perdoem, eu acho fantástico imaginar que Descartes tenha se torrado os miolos pra concluir que, se havia nele uma ideia de Deus, era porque o próprio Deus havia colocado essa ideia nele. Por acaso Descartes vivia em algum universo paralelo, isolado de tudo e de todos?

Noção de Causalidade em Hume

Por José Hailton Santos

De acordo com Hume, todos os objetos da razão ou investigação humana podem ser naturalmente divididos em dois tipos: relações de ideias e questões de fato.[1] O primeiro reporta aos raciocínios demonstrativos (dedutivos) que podem ser descobertos pela simples operação do pensamento, independente da existência ou não no mundo empírico. Neste caso, o critério é o princípio da não contradição. O segundo está ligado à contingência efetiva das coisas. Nessa esfera não cabe o julgamento lógico formal. A razão instrumental é a base de toda fundamentação. É nessa plataforma, destarte, que se apoia o empirismo humeano.

Se o fundamento está na experiência, o método consiste na análise das regularidades dos fenômenos. O conhecimento começa pela experiência e não pode ir além nem aquém
dela.

Hume nega a lógica dedutiva ou metafísica que atribui conexão necessária à noção de causalidade. De acordo com o autor, não há nada nos corpos que traga em si algum vínculo de necessidade. No âmbito das questões de fato (experiência) o que é pode não ser e, ainda assim, não infere o princípio de não contradição. Como posso afirmar que o Sol que nasceu ontem e hoje, de mesmo modo, nascerá amanhã e assim por diante? Nesse sentido, dizer que o Sol nascerá amanhã tem a mesma validade no dizer que ele não nascerá. Em ambas as inferências não há certeza de preposição.

O problema de Hume é saber a natureza que nos faz pensar que o Sol nascerá amanhã assim como se deu no passado e como será no futuro. Qual é a fonte que nos faz pensar dessa forma? De onde provém?

Os raciocínios referentes às questões de fato parecem fundar-se na relação causa e efeito. Segundo Hume, “é somente por meio dessa relação que podemos ir além da evidência daquilo que nos aparece”.[2] De modo que é preciso investigar como chegamos ao conhecimento de causa e efeito.

Condição humana e liberdade estética

À LUZ DA ESTÉTICA SCHILLERIANA

Por José Hailton Santos

No século XVIII, considerado o século das luzes, surgem os conceitos de “progresso” e “desenvolvimento”, propiciando o início de um novo tempo. Com efeito, é dada a largada para o desenvolvimento “a qualquer custo”.[1] Neste contexto é relevante assinalar que a temática da Bildung (formação cultural) é tema recorrente nas obras de cunho estético/filosófico do período, caracterizando, deste modo, um foco de resistência ao progresso desenfreado. A este complexo temático denominou-se Aufklärung (Iluminismo ou Esclarecimento).

Com o advento da industrialização as pessoas passaram a competir mais e mais entre si. “A crença no progresso expôs o homem a todas as regressões. Seu individualismo estimulou o advento do sujeito egoísta, preocupado unicamente com o ganho e a acumulação”.[2] Nos dias de hoje vale a satisfação pessoal em detrimento ao coletivo. Com efeito, esse sentimento que já é parte da cultura faz do “homem lobo do homem”.[3] Nessa estética do eu, o homem perde a noção de “ser social”, de “ser humano” e, sem referências conceituais, o homem da modernidade é refém de si mesmo, sobretudo porque está a serviço de uma engrenagem que ele mesmo faz girar.

Faz-se necessário, portanto, uma pedagogia da razão que assegure o equilíbrio entre intelecto refinado (razão sem sentimento) e homem bruto (sentimento sem razão). O primeiro refém de seu ego, o segundo de seus impulsos primários. Isto implica, todavia, uma reformulação da civilização. A estética como categoria existencial e princípio de realidade.

Eis aqui o problema de nosso ensaio, se o conhecimento humano é construído sobre juízos sintéticos a posteriori, como quer o homem contemporâneo, seria possível estabelecer princípios universais e necessários – a priori – para juízos estéticos? É possível juízo de gosto universal?

À luz das teorias de Kant, no texto A educação estética do homem (1783), Schiller apresenta a dimensão estética como libertação da sensualidade frente à dominação repressiva da razão. O sentimento de belo como fundamento à vida. A estética como princípios válidos para os dois polos da existência humana, a saber, sensibilidade e moralidade, ou sentimento e razão. É esse, portanto, o sentido prático da estética, e é por meio dessa temática que seguirá toda fundamentação deste ensaio.
Gramática e ontologia na filosofia de Wittgenstein durante o período intermediário
Por Nelson José de Camargo*

A filosofia de Wittgenstein geralmente é dividida entre o Tractatus-Logico-Philosophicus e as obras da maturidade, como as Investigações filosóficas, na qual rompe com as ideias defendidas na primeira obra. Tal ruptura, porém, não foi repentina, mas resultou de um processo, que teve início durante os cursos em Cambridge entre 1930 e 1932. Esse é o assim chamado período intermediário.

Para o Wittgenstein do Tractatus, há um isomorfismo estrutural entre a linguagem e o mundo: a estrutura da linguagem corresponde à estrutura dada no mundo.

A linguagem é constituída de elementos essencialmente simples, os nomes, que designam elementos do próprio mundo. As sentenças da linguagem são formadas pela concatenação desses nomes, “sinais simples empregados na proposição”[1]. Essa concatenação deve respeitar certas regras, que determinam possibilidades ou impossibilidades de articulação. “A proposição não é uma mistura de palavras. (...) A proposição é articulada”[2] e é uma “figuração da realidade, (...) modelo da realidade tal como pensamos que seja”[3].

As possibilidades ou impossibilidades de articulação também estão presentes no próprio mundo. Assim, as uniões possíveis na linguagem correspondem a uniões possíveis no mundo. Os nomes, por sua vez, só têm sentido quando fazem parte de uma proposição. “Só a proposição tem sentido: é só no contexto da proposição que um nome tem significado”[4], diz Wittgenstein no Tractatus.

O existencialismo é um humanismo

Por José Hailton Santos

Nesse texto[1] Sartre responde às críticas dirigidas ao existencialismo advindas, principalmente, dos marxistas e dos católicos.

A crítica marxista diz que o existencialismo leva as pessoas a uma filosofia contemplativa devido à inacessibilidade de suas soluções. Com efeito, o existencialismo não passa de uma filosofia burguesa.

Já os católicos acusam o existencialismo de negligenciar certas coisas belas e alegres da natureza humana, como o sorriso da criança, por exemplo. A crítica cristã diz que se suprirmos os mandamentos de Deus e os valores inscritos na eternidade, não resta mais que a estrita gratuidade, e cada um poderá fazer o que quiser.

Segundo Sartre, a essência de toda crítica, é que o existencialismo acentua o lado ruim da vida humana. No entanto, diz Sartre: “as mesmas pessoas que adoram canções realistas são aquelas que reclamam que o existencialismo é muito sombrio, a tal ponto de eu me perguntar se eles não estão se queixando mais do otimismo do existencialismo do que, na verdade, de seu pessimismo”.[2]

Assim, a doutrina existencialista parte, inicialmente, da subjetividade, ou seja, da noção de que a existência precede a essência. De acordo com o autor, somente nos objetos da técnica a essência precede a existência. A exemplo do corta-papel, cujo conjunto de procedimentos que permite produzi-lo e defini-lo precede sua existência. Nesse sentido, o conceito “homem” segue os mesmos preceitos, ou seja, um conjunto de regras (essência) atribuídas ao homem que precede ao “animal homem”. Para o autor, esse conjunto de regras está em desacordo com a verdade histórica com que nos deparamos.[3]

O que é a filosofia?

Por Nelson José de Camargo*

A filosofia voltou a fazer parte do currículo do ensino médio. Mas para que servirá? Talvez para doutrinar nossos estudantes com ideias pseudomarxistas retrógadas. Ou nossos estudantes terão apenas um “panorama” dos principais filósofos?

Kant já disse que não se ensina filosofia, mas a filosofar. Mas o que é ensinar a filosofar?

Em primeiro lugar, temos de estudar os filósofos no contexto em que viveram. Nietzsche, por exemplo, é homem de seu tempo, do romantismo alemão; Marx surgiu no contexto da revolução industrial; Hegel, Fichte e Schiller são figuras do idealismo alemão, que foi influenciado por Kant e Goethe; Kant, por sua vez, foi influenciado pelos racionalistas e empiristas: Descartes, Spinoza, Hume, Leibniz; o racionalismo foi uma consequência do humanismo renascentista, que resgatou a cultura clássica greco-romana; mas mesmo nas trevas da Idade Média, os escolásticos preservaram a filosofia de Platão e Aristóteles, ainda que tentando adaptá-la aos dogmas cristãos; e na Grécia antiga, como sabemos, surgiu o que chamamos de filosofia.

Édipo tirano, Édipo Freud: humanismo e cultura

Por José Hailton Santos

O texto em questão é uma tentativa de elucidar duas indagações ligadas ao contexto da tragédia Édipo Tirano de Sófocles: em primeiro lugar, trata-se de saber até que ponto a hermenêutica poderá nos conduzir a uma efetiva compreensão da tragédia. Em segundo, da relação do mito com a cultura contemporânea.

No mundo contemporâneo a tragédia se apresenta por duas vertentes principais: como abordagem das ciências humanas e diretamente no seio da cultura. Como exemplo da primeira o estereótipo complexo de Édipo freudiano; como exemplo da segunda o drama vivido pelo casal Celso Pitta e Nicéa Pitta no começo dos anos 2000.

Em suas diferentes versões históricas, reelaborado com outras formas e funções, o mito passa a nos revelar algo que transcende o próprio teor histórico e cultural da época. Assim, trazê-lo para o âmbito do conhecimento como busca da origem é excluir uma de suas principais características, a saber, seu caráter mimético (no sentido aristotélico) de fazer transformar o espírito do leitor/espectador, seja pela piedade seja pelo terror.

Foi o que aconteceu com o chamado Complexo de Édipo freudiano. Devido à popularidade da psicanálise, o mito de Édipo tornou-se uma das grandes referências do século XX. No entanto, a difusão social desse mito, tal como mediado pela leitura da psicanálise, fez surgir um novo Édipo, o qual é descrito por um complexo simbólico e patológico que incide sobre as identidades individuais e coletivas. Nesse sentido, a tragédia perde seu valor semântico, pois, de antemão a psicanálise estuda a origem.

O futuro da humanidade

Por Nelson José de Camargo*

A espiritualidade é inerente ao ser humano? Pode-se afirmar que sim, considerando que a maioria das pessoas tem necessidade de pertencer a um "rebanho" e de ter um "pastor" para guiá-las. O super-homem de Nietzsche é justamente o indivíduo que conseguiu se libertar da culpa judaico-cristã, que não precisa mais de um "pastor", e foi além do homem. Não é mais um indivíduo tolhido pelo pecado e pela culpa, mas sim livre para desfrutar da vida em sua plenitude.

O termo que Nietzsche usou, traduzido em português como super-homem, é Übermensch: über significa sobre, além, e Mensch é homem; logo, o super-homem nietzschiano é literalmente o indivíduo que "superou o homem", e não alguém dotado de “superpoderes”.

Hobbes diz que o "homem é o lobo do homem", e que para permitir uma vida em sociedade minimamente digna foi necessário criar o Estado, com todas as suas implicações positivas e negativas. Já Rousseau afirma que "o homem nasce bom, mas a sociedade o corrompe".

Finitude da vida, filosofia e o viver no “Sobre a brevidade da vida” de Sêneca

Por Rodrigo Tumolo*

Pretendo apresentar nesta exposição a obra “Sobre a brevidade da vida” do

filósofo estoico Sêneca: explorar a partir dela o tema da finitude da vida, o que essas reflexões podem ajudar no viver e qual a relação da filosofia implicada nisso. Ao mesmo tempo, espero fazer uma defesa de Sêneca como filósofo, afastando sua má-interpretação como escritor de “autoajuda”.

Primeiramente, creio ser oportuno começar respondendo à pergunta: quem foi Sêneca. Lúcio Aneu Sêneca foi não só um importante filósofo romano como também foi um rico escritor de tragédias e influente político no Império Romano. Sêneca não é romano de sangue e sim um espanhol da região de Córdoba que tinha a cidadania romana, pois seu pai era um cavaleiro muito rico da região e simpático ao Império Romano. Desde muito jovem tomou contato com a filosofia a ponto de ser convertido a ela: seu pai, ao matriculá-lo com os melhores oradores de Roma, esperava formar um retórico para uma brilhante carreira política, mas Sêneca saiu-se um filósofo. É preciso explicar que Roma ocupava o lugar que Atenas ocupara séculos antes: de centro cultural e político do mundo, palco dos grandes debates e para onde convergiam os sábios da época — sábios que, em sua maioria, falavam grego! De fato, Roma foi a grande difusora do helenismo na Antiguidade: toda pessoa de origem nobre falava não apenas o latim, mas sabia expressar-se fluentemente em grego. Sêneca teve aulas com Atalo, um mestre grego estoico que o converteu para a filosofia.

Ora, já duas vezes usei o termo “conversão” para me referir à filosofia e não foi à toa: Paul Veyne, em seu livro “Séneca y el estoicismo”, segue na direção que as filosofias antigas eram como seitas. Acompanhando sua exposição, os filósofos em Roma formavam uma espécie de “clero laico” e, diante da permissão pública de adoração dos imperadores mortos e a autoproclamação de Calígula como deus, não é difícil concluir que os filósofos formavam a oposição dentro do Senado.

A filosofia de Nietzsche e o nazismo

Por Nelson José de Camargo*

Nietzsche é certamente o filósofo mais popular e mais lido do mundo; seus livros são vendidos em bancas de jornal, em máquinas automáticas e até mesmo adaptados para histórias em quadrinhos; o Zaratustra inspirou o célebre poema sinfônico de Richard Strauss, trilha sonora do filme 2001, de Stanley Kubrick.

Mas a influência da filosofia de Nietzsche (e da filosofia de modo geral) nem sempre (ou quase nunca) foi positiva. O pensamento nietzschiano chegou a influenciar o regime político mais nefasto e abominável que já existiu no planeta: o nazismo.

Adolf Hitler era leitor de Nietzsche: na biblioteca particular do ditador, havia vários livros do pensador alemão, com muitas anotações nas margens das páginas. A mais frequente era “nicht verstanden” (não entendi).

Hitler era um homem de pouco estudo e pouca cultura, que tentou ser pintor acadêmico antes de começar sua carreira política. Seu livro Mein Kampf (Minha luta), é escrito em um alemão tosco, que demonstra claramente a deficiente formação cultural do líder nazista.

No entanto, Martin Heidegger, um dos grandes filósofos do século XX, aderiu publicamente ao nazismo e chegou a fazer discursos elogiando esse regime.

O “protonazismo” de Nietzsche é uma questão altamente controversa. Em Além do bem e do mal, o filósofo escreve que “os judeus são a raça mais autêntica e vigorosa da Europa”, e no mesmo livro afirma que eles são um povo “nascido para a escravidão [...] e com ele todo o mundo antigo, o ‘povo eleito entre as nações’ [...] os judeus realizaram esse milagre da inversão de valores, graças ao qual a vida na terra adquiriu um novo e perigoso atrativo”.

É fato amplamente conhecido que Nietzsche era crítico feroz da democracia representativa ocidental, que para ele era apenas reflexo da “moral de animal de rebanho”[1].

O conceito do super-homem nietzschiano também deu margem a atitudes racistas e eugenistas. Frases como “Os fracos e os fracassados devem desaparecer: primeira frase de nosso amor à humanidade”, ou “O que é mais prejudicial do que qualquer vício? A compaixão com todos os fracos e fracassados – o cristianismo”[2] podem facilmente servir de “combustível” para ideologias totalitárias.

O ser humano é racional?

Por Nelson José de Camargo*

O ser humano chamou a si mesmo de “homo sapiens”, homem sábio. O único capaz de raciocinar, “feito à imagem e semelhança do criador”, e por isso mesmo com direito de impor seu domínio sobre a natureza e sobre as demais criaturas.

Comportamentos ditos racionais podem ter outros fundamentos. Vejamos alguns exemplos.

Em uma escolha entre agir e não fazer nada, um agente racional não irá agir se os custos esperados para a ação superarem os respectivos benefícios. Este princípio, porém, é violado nas eleições: uma vez que nenhuma eleição em nível nacional jamais foi decidida por um único voto, o voto de um indivíduo não faz qualquer diferença no resultado e ele pode enfrentar problemas consideráveis para votar. No entanto, as pessoas votam em grande número.

Pode-se alegar que esse exemplo é mais adequado para os países em que o voto é facultativo; no Brasil é obrigatório, assim como em pouco mais de 20 países, 11 deles nas Américas do Sul e Central. Ser obrigado a votar não é, por sua vez, um procedimento totalmente contrário a razão? E se nenhum dos candidatos nos agradar? E se formos contra o modelo de democracia representativa ocidental?
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Um outro mundo tem que ser possível

Por Helena Novais*



Na semana passada estive com a cabeça bem distante do que ocorria na faculdade. Quase não apareci por lá. Em final de semestre isso não é nada bom. Mas tive um motivo: o desenvolvimento de um trabalho de pesquisa sobre marketing social que eu deveria finalizar naqueles dias. Além da fundamentação teórica, fiz estudo de caso. Como tive liberdade para escolher a empresa a ser estudada, escolhi uma multinacional que me interessa em especial. Esmiucei todo o histórico da empresa, sua linha de produtos e suas ações de marketing de cima abaixo e vice-versa. Foi uma boa oportunidade para desenvolver ainda mais o tema que apresentei no simpósio na USJT no ano passado. Agora além da perspectiva filosófica tenho um estudo de caso. Assim, se perco não assistindo as aulas, acabo ganhando de outro lado.

E vamos admitir: é inegável o poder de realização das grandes corporações! Uma companhia que é considerada a maior do mundo em seu segmento pode quase tudo. E sim, a atuação social de grande empresas, suas campanhas de “responsabilidade social” e “sustentabilidade” são boas. Muito boas! Desde que analisadas em si mesmas, com base nas informações emitidas pelas próprias empresas, não há de que falar mal. E convenhamos, não poderia ser de outra forma, já que a imagem institucional dessas empresas é gerida por profissionais de formação acadêmica e experiência prática comprovada... Mas eles às vezes se denunciam...

A dialética hegeliana

Por Nelson José de Camargo*

O pensamento hegeliano teve suas origens no idealismo alemão. Hegel foi contemporâneo de dois dos principais pensadores dessa corrente: Fichte e Schelling (de quem foi colega no Seminário de Tübingen). Nesse contexto, também teve grande destaque a filosofia de Kant, cuja influência sobre a filosofia alemã (e em toda a filosofia) foi imensa.

Mas há um importante diferencial no pensamento de Hegel em relação a seus antecessores: a dialética, que será o centro de sua filosofia.

Na Crítica da razão pura, Kant estabelece uma divisão entre “fenômeno” e “coisa em si”. Para Kant, não podemos ter conhecimento sobre o mundo real (as “coisas em si”), mas apenas das representações deste mundo, formadas na mente a partir das percepções de nossos sentidos. Conhecemos, portanto, os fenômenos, por meio da experiência. No entanto, há conhecimentos, universais e necessários, que não são adquiridos pela experiência, sem os quais nenhuma forma de conhecimento seria possível: são os juízos sintéticos a priori. Logo, há um limite bem definido entre o que podemos e não podemos conhecer.

Se Hegel por um lado reconhece que Kant “colocou a dialética em seu nível mais alto” uma vez que atribui a ele a “redescoberta da tríade dialética”[1], por outro lado não aceita esse limite. A crítica kantiana não foi capaz de perceber a identidade entre sujeito e objeto e, portanto de progredir rumo ao Absoluto, síntese final da tríade dialética em si (sujeito), para si (objeto) em si-para si (objeto, tal como conhecido pelo sujeito, e sujeito, que reconhece a si mesmo ao reconhecer o objeto).

Fenômeno e coisa em si não seriam mais que “representações de um Absoluto separado do conhecimento ou de um conhecimento separado do Absoluto”[2]. Em Kant, as determinações permanecem essencialmente subjetivas, “presas ao objeto”[3]. Ocorre uma “cisão” entre sujeito e objeto. A tarefa da filosofia seria superar essa cisão. Para tanto, era “elevar as determinações de pensamento acima desse ponto de vista medroso”[4].

Tratamento ético aos animais

Por André Ricardo Pontes*

Você come carne ou ovos? Se sim, sabe qual a origem deste alimento? O animal que você estará saboreando no almoço teve uma vida o mais próximo do natural possível? Ou viveu apenas 6 meses, confinado, torturado, com uma lâmpada na cara que fica acesa por 6 horas seguidas, depois apagada 6 horas seguidas, simulando um dia e uma noite na metade do tempo, de modo a forçar o animal a pôr ovos na metade do tempo?

No mundo todo, principalmente em países com pouco espaço, há pecuária realizada por meio do confinamento. Os bois e vacas são mantidos em pequenos currais, onde não podem andar, correr, manter laços com outros de sua espécie, comer pastagens naturais. São forçados a comer a mesma ração no tempo arbitrariamente determinado. São tratados como máquinas. Imaginem uma vida assim. Pensem nos escravos. Um absurdo que isso tenha existido no Brasil, não? Pois então, a vida deles era melhor do que a vida a que são submetidos muitos animais. Mas, no caso do Brasil, isso praticamente não existe. O gado bovino é criado quase exclusivamente de forma extensiva, ou seja, os animais são soltos, comem pastagem. Por isso, quero me dedicar mais às aves, que, no caso do Brasil, são os animais que sofrem mais (e, numa escala de sofrimento, os porcos vêm em segundo lugar).

“Tudo é verdade e nada é verdade”

Uma leitura da obra O estrangeiro de Albert Camus

Por José Hailton Santos

 Com a morte de Deus anunciada por Nietzsche o homem moderno sentiu-se livre para extrapolar suas emoções. Sem uma divindade a quem prestar contas, o homem da modernidade é livre para fazer aquilo que bem entender. Assim entendeu Smerdiakóv, personagem de Dostoiévski na obra Irmãos Karamazov (1879), que assassina o próprio pai com a justificativa de que vira um texto (supostamente do pai) com a seguinte frase: “Se Deus não existe tudo é permitido”. Como colorário, disse Smerdiakóv: “Se deus definitivamente não existe, então não existe nenhuma virtude, e neste caso ela é totalmente desnecessária”.[1] Aqui está o problema[2]. É esse o sentido de liberdade no mundo moderno. Sem ideais de bem comum, o homem da modernidade vive a sua insignificância existencial. O estrangeiro de Albert Camus é o retrato desse abismo existencial.

Meursault, personagem central de O estrangeiro, vive a “plenitude” e a “insignificância” do instante. Recusa a lógica da sociedade; a engrenagem que move as ações humanas e a busca por causa e efeito. Talvez porque não dê importância e sentido essencial às coisas no mundo. Isto ficou evidente quando lhe foi perguntado sobre o motivo de ter atirado no árabe. Ele simplesmente respondeu: “por causa do Sol”. Ou seja, não deu sentido aos fatos. Por assim dizer, uma gratuidade pela indiferença.

Como a indiferença vivida por Meursault é consequência da desilusão do homem moderno, desprovido de valores comunitários e guiado por “forças narcísicas”,[3] é possível relacioná-la à doutrina do eterno retorno apontada por Nietzsche?


O que é a vida?

Por Nelson José de Camargo*

Esta é uma questão que vêm ocupando a mente de cientistas, filósofos e de muitas pessoas desde os primórdios da raça humana.

Para Aristóteles, são características dos seres vivos: nutrição, sensação e, em alguns deles, a intelecção. Essas características são decorrentes da presença da alma (yuchz), exclusiva dos seres vivos.

A nutrição seria a característica fundamental a todos os seres vivos, uma vez que até as plantas a possuem. Os animais, além da nutrição, possuem a sensação, caracterizada pela presença dos órgãos dos sentidos, responsáveis pelas percepções de tato, paladar, olfato, audição e visão. Desses sentidos, o tato é comum a todos os animais. Um animal pode ter ou não visão e audição, mas tem necessariamente tato.

Portanto, segundo Aristóteles, a alma poderia ser dividida em três partes: nutritiva (comum a todos os seres vivos), sensitiva (presente nos animais e no homem) e intelectiva (característica dos animais capazes de raciocinar, como o homem). Essa estrutura é hierárquica: um ser vivo que tem intelecção tem necessariamente sensação e nutrição, mas não o contrário.

Ainda de acordo com Aristóteles, todos os seres vivos se alimentam e se reproduzem. Portanto, poderíamos considerar vivo qualquer ser capaz de crescer e de reproduzir.

Imposição ou decadência?

POR NELSON JOSÉ DE CAMARGO*

Muito se fala sobre “reality shows”: poucos admitem que assistem a esse tipo de programa, mas continuam no ar há mais de uma década. Qual é a razão de seu sucesso?

Seriam os tais reality shows imposições da indústria cultural, no sentido que Horkheimer e Adorno deram a esse termo, uma forma de impor às massas um tipo de entretenimento alienante? Apenas mais um desdobramento do Aufklärung, que segundo Nietzsche apenas “um meio infalível para tornar os homens inseguros, com a vontade fraca, com desejo de ser conquistados e protegidos, em resumo, transformados em criaturas de rebanho”.

Podemos então relembrar Rousseau quando este afirma que “o homem nasce puro, mas a sociedade o corrompe”. As massas consomem o lixo que lhe é imposto porque não têm acesso aos biscoitos finos dos grandes artistas. Afinal, como diz Schiller, “o sentimento educado para a beleza refina os costumes”.

Trata-se então de “refinar os costumes da massa ignara”, dando a todos o acesso à grande literatura, a grande música, às artes plásticas. Realizar, portanto, uma verdadeira “educação estética do ser humano”.

Ora, tal constatação não está superestimando a sociedade atual? O que move o mundo de hoje, se não a busca pelo poder e pelos bens materiais? Um cronista da imprensa burguesa já afirmou que “ler não serve para nada”, e que “as pessoas mais bem-sucedidas de nosso país nunca leram um livro na vida”.

Pode-se desprezar o cronista, burguês medíocre a soldo da grande imprensa para perpetuar no poder detentores de ideologias reacionárias, mas não é possível ignorar esta constatação: a humanidade encontra-se em um período de absoluta decadência. Quem nega este fato, que indique: onde estão os grandes escritores? Os grandes músicos? Os grandes estadistas? Como é possível promover a “educação estética” do ser humano se não há mais os grandes estetas, os formadores de opiniões, aqueles gênios que com seu talento e expressividade vão moldar o gosto das “pessoas educadas”?

Em vez disso, o que assistimos é o triunfo da mediocridade, a hipervalorização do esteticismo mais reles (e não dos ideais estéticos!), o mundo para ver e ser visto, o desejo de acumular bugigangas e gadgets... um mundo onde a universidade serve apenas para preparar para o mercado de trabalho... E que o “mercado de trabalho” é esse? É a sociedade em que somos consumidores e não cidadãos, consumidores que servem apenas para movimentar a indústria, acumular bens de consumo, e que querem apenas satisfazer seus instintos mais vulgares nos reality shows... Consumir é o que importa!

O mundo moderno é um grande “reality show” e somos nós os participantes desse circo de horrores!

* Nelson José de Camargo é Bacharel em Filosofia - USP

Para filosofar, uma paráfrase do Zaratustra
Por Nelson José de Camargo*

Zaratustra foi sozinho a Universidade. Quando lá chegou, postou-se diante dele um jovem, que havia abandonado a casa de papai e mamãe, para iniciar a construção do socialismo científico. Assim falou o jovem a Zaratustra:

"Este andarilho não é estranho para mim. Há algum tempo passou por aqui. Ele se chamava Zaratustra, mas estava perdido."
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O método como caminho para o conhecimento verdadeiro

Por Nelson José de Camargo*

As descobertas científicas que começaram a ocorrer na época do Renascimento provocaram uma mudança radical no pensamento humano. Copérnico e Galileu comprovaram que a Terra era apenas um planeta que girava em torno do Sol, e não mais o centro imóvel do Universo; Newton, com a Lei da Gravitação Universal, explicou o movimento dos corpos celestes com base em leis mecânicas; a prensa de tipos móveis, aperfeiçoada por Gutenberg, permitiu que os livros fossem produzidos em maior quantidade e com menor custo, o que facilitou a divulgação dos novos conhecimentos; e a Reforma protestante rompeu a hegemonia da Igreja Católica Romana.

Nesse cenário de mudança, o pensamento humano (seja a filosofia natural, que hoje compreende as diversas ciências, quanto a filosofia moral – o que conhecemos hoje como filosofia) também passou por transformações.

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O relativismo e o progresso da ciência como um processo não cumulativo

Por Nelson José de Camargo*

Há perdas e ganhos nas revoluções científicas, mas os cientistas tendem a ser particularmente cegos quanto às primeiras.

Thomas Kuhn

INTRODUÇÃO
O progresso da ciência, tal como tem sido verificado desde o século XVII, pode ser explicado pelo fato de que as novas teorias científicas podem “predizer e explicar mais fenômenos do que suas predecessoras”[1], ao menos na visão positivista. Ou a ciência está, ao longo do tempo, “aproximando-se progressivamente de um registro verdadeiro do mundo”[2], na visão realista. Sob o ponto de vista pragmatista, o progresso pode ser entendido como “um movimento em direção a realização de determinados fins”[3]. O relativismo, porém, sustenta a posição de que o progresso da ciência não é um processo cumulativo e não tem um fim. Esta dissertação pretende examinar a posição relativista.

PARADIGMAS
Para iniciar a discussão, é preciso distinguir os períodos que caracterizam o progresso científico na visão relativista. São os períodos pré-paradigma e pós-paradigma.

Paradigma é um conjunto de realizações que serve de base à prática científica futura; não é regra, não é método; serve de exemplo para a resolução de problemas futuros. Nas palavras de Thomas Kuhn, paradigmas são “exemplos que incluem conjuntamente leis, teoria, aplicação e instrumentação – fornecem modelos dos quais surgem tradições coerentes e específicas da pesquisa científica”[4].
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Filosofia para quem?
PALESTRA PROFERIDA PELO PROFESSOR PAULO HENRIQUE FERNANDES SILVEIRA*

Essa mesa de debate foi composta, imagino que propositalmente, por pesquisadores de diferentes áreas. Na incumbência de representar o departamento de filosofia, não pretendo convencê-los de coisa alguma, mas ficarei satisfeito se conseguir mostrar a pertinência de certas questões sobre o ensino e a pesquisa.

Na última segunda-feira, 14/9/2009, num grande jornal de São Paulo, Luiz Felipe Pondé, colunista e professor universitário, elaborou um relatório sobre o ensino e a pesquisa no Brasil:

CLÓVIS ROSSI pergunta em sua coluna do dia 8 de setembro, página A2, se no Brasil vivemos algo como o que acontece hoje na vida universitária da Espanha: desinteresse dos alunos e asfixia burocrática dos professores. Sim, há semelhanças.

Nos anos 50, o filósofo norte-americano Russel Kirk descrevia um fenômeno interessante nas universidades americanas.

A partir do momento em que a vida acadêmica se tornou objetivo da ‘classe média’, gente sem posses, a vida universitária entrou em agonia porque a proletarização dos acadêmicos se tornou inevitável” (Pondé, L. “Um relatório para a academia”, In. FOLHA DE SÃO PAULO, 14/9/2009, E9).”

Esse tal filósofo americano, Russel Kirk, foi um defensor de várias teses conservadoras, como a da manutenção do princípio da diversidade. No texto Dez Princípios conservadores, Kirk afirma :
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A estética kantiana
Por Nelson José de Camargo*

Kant, em suas três Críticas, procurou estabelecer princípios universais e necessários que servem de fundamento para o ânimo[1] (Gemüt). Na Crítica da razão pura, investigou os princípios para o conhecimento teórico, que inclui o conhecimento científico; na Crítica da razão prática, o objeto foi o agir prático humano, e a lei moral que rege as ações de um indivíduo racional; A Crítica do juízo investiga os juízos formulados pelo homem em relação a objetos da natureza, ou segundo as impressões que esses objetos causam em nossa mente.

Se o conhecimento humano é construído sobre juízos sintéticos a priori, e nossas ações morais são determinadas pelo imperativo categórico, seria possível estabelecer princípios universais e necessários – a priori – para juízos estéticos?

O conhecimento que temos das coisas é na verdade o conhecimento das representações dessas coisas, pois não é possível conhecer as coisas em si. O que conhecemos, portanto, é o mundo das representações, ou dos fenômenos.
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