domingo, março 11, 2012

Noção de Causalidade em Hume

Por José Hailton Santos

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De acordo com Hume, todos os objetos da razão ou investigação humana podem ser naturalmente divididos em dois tipos: relações de ideias e questões de fato.[1] O primeiro reporta aos raciocínios demonstrativos (dedutivos) que podem ser descobertos pela simples operação do pensamento, independente da existência ou não no mundo empírico. Neste caso, o critério é o princípio da não contradição. O segundo está ligado à contingência efetiva das coisas. Nessa esfera não cabe o julgamento lógico formal. A razão instrumental é a base de toda fundamentação. É nessa plataforma, destarte, que se apoia o empirismo humeano.

Se o fundamento está na experiência, o método consiste na análise das regularidades dos fenômenos. O conhecimento começa pela experiência e não pode ir além nem aquém dela.

Hume nega a lógica dedutiva ou metafísica que atribui conexão necessária à noção de causalidade. De acordo com o autor, não há nada nos corpos que traga em si algum vínculo de necessidade. No âmbito das questões de fato (experiência) o que é pode não ser e, ainda assim, não infere o princípio de não contradição. Como posso afirmar que o Sol que nasceu ontem e hoje, de mesmo modo, nascerá amanhã e assim por diante? Nesse sentido, dizer que o Sol nascerá amanhã tem a mesma validade no dizer que ele não nascerá. Em ambas as inferências não há certeza de preposição.

O problema de Hume é saber a natureza que nos faz pensar que o Sol nascerá amanhã assim como se deu no passado e como será no futuro. Qual é a fonte que nos faz pensar dessa forma? De onde provém?

Os raciocínios referentes às questões de fato parecem fundar-se na relação causa e efeito. Segundo Hume, “é somente por meio dessa relação que podemos ir além da evidência daquilo que nos aparece”.[2] De modo que é preciso investigar como chegamos ao conhecimento de causa e efeito.

A tese de Hume é que a razão dedutiva é incapaz de extrair, sem o auxílio da experiência, qualquer conclusão referente à existência efetiva de coisas ou questões de fato.[3] De modo que causa e efeito só podem ser descobertos na experiência e não por meio do a priori. A inferência causal está assim atrelada à crença que temos na regularidade dos fenômenos naturais. Todavia, a simples aparência de um objeto não é capaz de aferir sua causa. Para o autor, “em todas as operações naturais a primeira imaginação de um efeito particular é arbitrária quando não se consulta a experiência.[4]

Hume constata que a noção de causa e efeito é um vício da experiência. Do mesmo modo que a experiência é um vício da noção de causa e efeito. Esse círculo vicioso deve ser superado.

De acordo com Hume, não é o raciocínio que nos leva a supor o futuro semelhante ao passado, ou do futuro esperar efeitos semelhantes aos do passado... Não sendo racional, de onde provém tal dedução?

Hume sugere que toda relação de causa e efeito é obra do costume. Razão e experiência são coisas distintas. Contudo, a experiência é a única capaz de dar estabilidade e certeza às máximas derivadas do estudo da reflexão. De modo que o hábito é o grande guia da vida humana. É por meio do hábito que esperamos do futuro uma cadeia semelhante a que ocorrera no passado. Para Hume, sem a força do hábito seríamos inteiramente ignorantes de toda questão de fato (experiência) que extrapole o que está imediatamente para a memória e aos sentidos. Sem o hábito, portanto, não saberíamos empregar meio e fim.

Para o filósofo, toda crença na relação causa e efeito deriva exclusivamente de algum objeto presente na memória ou nos sentidos e de uma conjunção habitual entre esse objeto e algum outro.[5] Em outras palavras, a crença na causalidade é um constructo que envolve aquilo que está para a memória (imagem objetiva) e a força do hábito que tende a associar aquilo a isto. Mas qual seria a natureza dessa crença?

De acordo com Hume, a crença é obra da imaginação. No entanto, não é pura ficção. A crença é a concepção de um objeto mais vívido, vigoroso e enérgico que não se poderia obter apenas pela imaginação. A crença, portanto, é o meio termo entre as ideias provindas do julgamento e as ficções da imaginação.[6] É pela força do hábito que a imaginação concebe seu correlato no mundo sensível. Por isso mesmo, no âmbito das questões de fato não há experiência que não se possa conceber o seu contrário. Pode haver um assentimento ou rejeição objetiva entre o hábito e a imaginação.

Portanto, é pelo princípio do hábito e associação de ideias que podemos ajustar meios e fins, seja para produzir o bem, seja para evitar o mal. Somente pela razão dedutiva (sem os atributos da experiência) isso não seria possível. A crença é, assim por dizer, o meio termo que separa a distância entre causa e efeito e sua origem deriva inteiramente do hábito e da experiência.

BIBLIOGRAFIA
 
HUME, David. Investigações sobre o entendimento humano e sobre os princípios da
moral
. São Paulo: Unesp, 2004. (seções 4, 5 e 6)

[1] HUME, p. 53.
[2] HUME, p. 54.
[3] HUME, p. 56.
[4] HUME, p. 58.
[5] HUME, p. 79.
[6] HUME, p. 82.

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