domingo, junho 19, 2011

O ser humano é racional?

Por Nelson José de Camargo*

O ser humano chamou a si mesmo de “homo sapiens”, homem sábio. O único capaz de raciocinar, “feito à imagem e semelhança do criador”, e por isso mesmo com direito de impor seu domínio sobre a natureza e sobre as demais criaturas.

Comportamentos ditos racionais podem ter outros fundamentos. Vejamos alguns exemplos.

Em uma escolha entre agir e não fazer nada, um agente racional não irá agir se os custos esperados para a ação superarem os respectivos benefícios. Este princípio, porém, é violado nas eleições: uma vez que nenhuma eleição em nível nacional jamais foi decidida por um único voto, o voto de um indivíduo não faz qualquer diferença no resultado e ele pode enfrentar problemas consideráveis para votar. No entanto, as pessoas votam em grande número.

Pode-se alegar que esse exemplo é mais adequado para os países em que o voto é facultativo; no Brasil é obrigatório, assim como em pouco mais de 20 países, 11 deles nas Américas do Sul e Central. Ser obrigado a votar não é, por sua vez, um procedimento totalmente contrário a razão? E se nenhum dos candidatos nos agradar? E se formos contra o modelo de democracia representativa ocidental?

sábado, junho 18, 2011

O Mundo

Por Ana Lucia Sorrentino*
 
Ainda menina mimada, pernas finas e um leve e ingênuo corpo de pura credulidade, vi o Mundo sentado num canto, como que me esperando, receptivo, e cedi à tentação: sentei no colo do Mundo. Embora agitada, e mal podendo me conter ali, tanta coisa a se viver, o colo que o Mundo me oferecia era tão confortável e caloroso, e sua aceitação de mim tão grande, que rapidamente me habituei a recorrer a seu aconchego sempre que cansada da agitação da Vida.

Vez ou outra me esquecia de tudo o que não fosse Mundo. Recostava a cabeça em seu peito, sentia suas mãos firmes me segurando e chegava mesmo a cochilar, em total abandono.
Com o passar dos anos, a certeza de que o Mundo estaria ali, me esperando, sempre que o procurasse, se consolidou e passei a ter nele meu porto seguro.

Certa vez, mais encorpada, pés já tocando o chão, senti que talvez pesasse e causasse algum cansaço no mundo. Percebi uma tentativa dele em me acomodar melhor, como fora tão natural até então. Disfarçadamente, voltei-lhe a minha atenção.

sábado, junho 04, 2011

Um outro mundo tem que ser possível

Por Helena Novais*

Na semana passada estive com a cabeça bem distante do que ocorria na faculdade. Quase não apareci por lá. Em final de semestre isso não é nada bom. Mas tive um motivo: o desenvolvimento de um trabalho de pesquisa sobre marketing social que eu deveria finalizar naqueles dias. Além da fundamentação teórica, fiz estudo de caso. Como tive liberdade para escolher a empresa a ser estudada, escolhi uma multinacional que me interessa em especial. Esmiucei todo o histórico da empresa, sua linha de produtos e suas ações de marketing de cima abaixo e vice-versa. Foi uma boa oportunidade para desenvolver ainda mais o tema que apresentei no simpósio na USJT no ano passado. Agora além da perspectiva filosófica tenho um estudo de caso. Assim, se perco não assistindo as aulas, acabo ganhando de outro lado.

E vamos admitir: é inegável o poder de realização das grandes corporações! Uma companhia que é considerada a maior do mundo em seu segmento pode quase tudo. E sim, a atuação social de grande empresas, suas campanhas de “responsabilidade social” e “sustentabilidade” são boas. Muito boas! Desde que analisadas em si mesmas, com base nas informações emitidas pelas próprias empresas, não há de que falar mal. E convenhamos, não poderia ser de outra forma, já que a imagem institucional dessas empresas é gerida por profissionais de formação acadêmica e experiência prática comprovada... Mas eles às vezes se denunciam...

A dialética hegeliana

Por Nelson José de Camargo*

O pensamento hegeliano teve suas origens no idealismo alemão. Hegel foi contemporâneo de dois dos principais pensadores dessa corrente: Fichte e Schelling (de quem foi colega no Seminário de Tübingen). Nesse contexto, também teve grande destaque a filosofia de Kant, cuja influência sobre a filosofia alemã (e em toda a filosofia) foi imensa.

Mas há um importante diferencial no pensamento de Hegel em relação a seus antecessores: a dialética, que será o centro de sua filosofia.

Na Crítica da razão pura, Kant estabelece uma divisão entre “fenômeno” e “coisa em si”. Para Kant, não podemos ter conhecimento sobre o mundo real (as “coisas em si”), mas apenas das representações deste mundo, formadas na mente a partir das percepções de nossos sentidos. Conhecemos, portanto, os fenômenos, por meio da experiência. No entanto, há conhecimentos, universais e necessários, que não são adquiridos pela experiência, sem os quais nenhuma forma de conhecimento seria possível: são os juízos sintéticos a priori. Logo, há um limite bem definido entre o que podemos e não podemos conhecer.

Se Hegel por um lado reconhece que Kant “colocou a dialética em seu nível mais alto” uma vez que atribui a ele a “redescoberta da tríade dialética”[1], por outro lado não aceita esse limite. A crítica kantiana não foi capaz de perceber a identidade entre sujeito e objeto e, portanto de progredir rumo ao Absoluto, síntese final da tríade dialética em si (sujeito), para si (objeto) em si-para si (objeto, tal como conhecido pelo sujeito, e sujeito, que reconhece a si mesmo ao reconhecer o objeto).

Fenômeno e coisa em si não seriam mais que “representações de um Absoluto separado do conhecimento ou de um conhecimento separado do Absoluto”[2]. Em Kant, as determinações permanecem essencialmente subjetivas, “presas ao objeto”[3]. Ocorre uma “cisão” entre sujeito e objeto. A tarefa da filosofia seria superar essa cisão. Para tanto, era “elevar as determinações de pensamento acima desse ponto de vista medroso”[4].