Por Nelson José de Camargo*
O ser humano chamou a si mesmo de “homo sapiens”, homem sábio. O único capaz de raciocinar, “feito à imagem e semelhança do criador”, e por isso mesmo com direito de impor seu domínio sobre a natureza e sobre as demais criaturas.
Comportamentos ditos racionais podem ter outros fundamentos. Vejamos alguns exemplos.
Em uma escolha entre agir e não fazer nada, um agente racional não irá agir se os custos esperados para a ação superarem os respectivos benefícios. Este princípio, porém, é violado nas eleições: uma vez que nenhuma eleição em nível nacional jamais foi decidida por um único voto, o voto de um indivíduo não faz qualquer diferença no resultado e ele pode enfrentar problemas consideráveis para votar. No entanto, as pessoas votam em grande número.
Pode-se alegar que esse exemplo é mais adequado para os países em que o voto é facultativo; no Brasil é obrigatório, assim como em pouco mais de 20 países, 11 deles nas Américas do Sul e Central. Ser obrigado a votar não é, por sua vez, um procedimento totalmente contrário a razão? E se nenhum dos candidatos nos agradar? E se formos contra o modelo de democracia representativa ocidental?
Na grande maioria dos países desenvolvidos, o voto é facultativo, com algumas exceções: Austrália, Bélgica e Luxemburgo.
A atitude de comparecer a uma votação também pode ser determinada pelas normas sociais. Votar pode ser reflexo de normas sociais se o ato de votar for visível para outras pessoas que desaprovem quem se abstém de votar. Vota-se, portanto, para cumprir o papel de “bom cidadão” perante nossos vizinhos, colegas, amigos...
O que faz um agente racional quando deseja se unir a alguém, seja pelo casamento, ou qualquer outro tipo de “união estável”? Procura obter informações sobre as tendências comportamentais e emocionais dessa pessoa. É preciso conhecer bem uma pessoa para que um relacionamento dê certo. Mas isso muitas vezes não ocorre na prática. Levadas pelas emoções, as pessoas podem se unir por impulso, com resultados frequentemente desastrosos. Logo, o amor nos leva a fazer coisas que não faríamos se tivéssemos uma política mais racional de obtenção de informações.
O mesmo ocorre na compra de um imóvel, ou qualquer outro bem. Quando as pessoas se apaixonam por uma casa, ficam ansiosas para assinar o contrato e logo depois começam a descobrir os defeitos.
Podemos analisar o imperativo categórico kantiano, exemplo máximo de uma moral puramente racional. Tomemos um exemplo prático: “Alguém deveria fazer A em vez de B se fosse melhor para todos se cada um fizesse A em vez de B”. Isso justifica o ato de comparecer às votações mesmo sabendo que o voto individual é irrelevante para o resultado final. Mas agir dessa forma não é um comportamento racional. A racionalidade diz para escolher em função do que vai acontecer se alguém fizer A em vez de B. Em uma eleição, as pessoas podem se abster de votar. Ou podem pensar: “e se todo mundo fizer isso?” Assim, comparecem à votação, guiadas pelo “imperativo categórico”.
Vejamos o desejo de agir por uma razão: esse desejo faz com que o agente modifique seu comportamento pela introdução de uma opção que é claramente inferior a uma das opções de que já dispõe. Em alguns casos, a introdução de mais uma opção pode até mesmo impedir que o agente tome uma decisão.
As emoções, por sua vez, afetam os desejos de duas maneiras: podem causar uma mudança temporária de preferência ou podem tornar preferíveis opções anteriormente menos preferidas, com consequências negativas a longo prazo.
A urgência, por sua vez, nos leva a negligenciar os efeitos futuros das opções, pelo fato de que a determinação das consequências de longo prazo por si mesma leva tempo. Alguém agindo pela urgência provavelmente vai deixar de fazer uma reflexão mais aprofundada sobre os possíveis efeitos de suas ações.
Estes são apenas alguns exemplos de ações aparentemente racionais, mas que na verdade são motivadas por outros fatores.
Voltando ao questionamento inicial. O ser humano é racional ou não? Temos controle sobre nossa mente e nossos atos? Freud demonstrou que muitas de nossas ações não são determinadas pela consciência. E sabemos realmente qual é nosso papel neste mundo? Copérnico tirou a Terra do centro do Universo; é apenas mais um planeta que gira em torno do Sol; Darwin afirmou que o ser humano é resultado da evolução por meio da seleção natural, e que temos ancestrais comuns com seres tidos como inferiores, como macacos; e já foram detectados mais de 500 planetas fora do Sistema Solar, alguns com potencial para teoricamente abrigar vida. Logo, nosso sistema solar é apenas um entre muitos.
Talvez só a descoberta de vida inteligente em outros mundos torne possível destronar definitivamente o ser humano de sua arrogante posição de único “homo sapiens”; mas é pouco provável que isso aconteça, pois muito antes disso a raça humana aniquilará a si mesma, e a todas as formas de vida do planeta, com suas ações “racionais” que justificam guerras, ódio, massacres e destruição da natureza.
*Nelson José de Camargo é Graduado em Filosofia, Jornalista e Escritor
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