domingo, fevereiro 13, 2011

La Boétie, Maquiavel e o panis et circensis à moda tupiniquim

Por André Assi Barrreto*

            A política do pão e circo (panis et circensis), para ser mais preciso, do pão e dos jogos (circenses), foi um método político empregado pelos romanos, que proporcionavam à população comida e diversão ao povo, afim de fazer com que a insatisfação com as medidas governamentais diminuíssem. Nos estádios em que gladiadores lutavam ferozmente até a morte, o pão era distribuído gratuitamente.
            Olhando para a atualidade do Brasil como um todo, e da política em especial e salvaguardadas as devidas proporções, qualquer semelhança com a prática romana NÃO é mera coincidência. Essa atualidade tupiniquim me remeteu a dois pensadores em especial, os teóricos políticos Nicolau Maquiavel (1469-1527) e Etiénne de La Boetie (1530-1563), tanto um como o outro alertavam de alguma forma para essa política praticada pelos detentores do poder.
            Vejamos um trecho da obra-prima de Maquiavel, O Príncipe, em italiano e português:

Oltre a questo non si può con onestà satisfare a' grandi, e sanza iniuria do altri, ma si bene al populo: perché quello del populo è più onesto fine che quello de' grandi, volendo questi opprimere e quello non esse opresso.

"Além disso, não se podem com honestidade, satisfazer os grandes sem injuriar outros, mas ao povo sim: porque o intuito do povo é mais honesto que o dos grandes, querendo estes oprimir e aquele não ser oprimido." [MAQUIAVEL, 2007, p. 110 e 111
]

            O que o secretário florentino está tentando alertar nesse trecho? Que é mais fácil agradar aos pobres que aos ricos. Por quê? Por uma questão muito simples, meus caros. Não é possível agradar aos ricos sem “injuriar” os outros, estes anseiam não apenas por dinheiro, como também por PODER, o que pode trazer problemas à supremacia almejada pelo príncipe. Daí a necessidade não só de agradar os pobres, pois são maioria esmagadora, como também de MANTÊ-LOS nessa condição, para que não façam como os atuais ricos e anseiem por poder e não apenas pelas migalhas que o agradam.
            O que vem à mente senão o programa de “distribuição de renda” do atual e do passado governo federal? Sem entrar no mérito da eficácia sazonal do programa, a lógica do pensar não se encaixa perfeitamente? Ademais disso, não podemos deixar de citar que muitos estão se vendo num Éden 2.0 graças a facilitação de crédito feita pelo governo para fugir da crise, certamente o príncipe leitor de Maquiável não podia entorpecer o povo com celulares em 24 vezes, televisores em 40 vezes e carros em 80, mas o que a tecnologia não faz por nós, não?
            Vejamos agora, uma citação do pensador francês Etiénne de La Boétie:

"Mais ceste ruse de tirans d'abestier leurs subjets ne se peut pas congnoistre plus clairement que par ce que Cyrus fit envers les Lydiens apres quil se fut emparé de sardis la maistresse ville de Lydie, et quil eust pris a merci Cresus ce tant riche roy et l'eut amené quand et soy, on lui apporta nouvelles que les Sardains séstoient revoltés; il les eut bien tost reduit sous sa main; mais tousjours em peine d'y tenir une armée pour la garder, il s'advisa d'un grand expedient pour s'en asseurer; il y establit des bordeaus, des tavernes et jeux publics, et feit publier une ordonnance que les habitants eussent e en faire estat. Il se trouva si bien de ceste garnison que jamais depuis contre les Lydiens ne fallut tirer un coup d'espée: ces pauvres et miserables gens s'amuserent a inventer toutes sortes de jeus, si bien que les Latins en ont tiré leus mot" (BOÉTIE, 1999, p. 55 e 56).

"Porém essa artimanha de tiranos para bestializar seus súditos não pode ser mais claramente conhecida que através do que Ciro fez com os Lídios depois de ter-se assenhorado de Sardes, principal cidade da Lídia, de ter dominado Creso, esse rei tão rico, e tê-lo levado discricionariamente. Trouxeram-lhe notícias de que os Sardos tinham se revoltado. Sua autoridade os teria submetido prontamente; mas como não queria saquear uma cidade tão bela nem inquietar-se sempre com o mantimento de um exército para guardá-la, descobriu um grande expediente para apoderar-se dela ali estabeleceu bordéis, tavernas e jogos públicos, e proclamou uma ordenação que os habitantes tiveram de acatar. Ficou tão satisfeito com tal guarnição que desde então nunca mais foi preciso puxar da espada contra os Lídios: essa gente pobre e miserável divertia-se inventando todo tipo de jogo, de tal modo que os Latinos tiraram daí sua palavra (...)" (BOÉTIE, 1999, p. 27, grifos nossos).

            Já tratamos do “novo pão”, tratemos agora do “novo circo”. É amigos, o que virá por aí logo mais? Copa do Mundo de 2014 e Olimpíadas de 2016. Para os que não sabem, apenas a REFORMA do estádio do Maracanã custará 1 BILHÃO de reais. Valor quase que suficiente para a reconstrução da região serrana do Rio. Vejam só, La Boétie alerta que o tirano “bestializa” seus súditos, com “bordéis, tavernas e jogos públicos”. E é claro, não custa lembrar que todos os brasileiros desfrutam de sistemas de saúde, educação e segurança escandinavos, basta abrir a janela e olhar o Brasil finlandês que os aguarda.
            Enquanto vemos egípcios e tunisianos nas ruas, tentando derrubar o poder vigente (sem entrar em qualquer julgamento de valor sobre o assunto), espanhóis e gregos protestando contra as medidas anti-crise austeras do governo, franceses contra as medidas previdenciárias de Sarkozy, e no Brasil... vemos pessoas chorando porque materiais de carnaval pegaram fogo, e ainda vemos a prefeitura ajudando-os a recuperar o estrago. O brasileiro se entorpece muito fácil, meia dúzia de mulheres semi-nuas, alguns litros de cerveja, samba ao fundo e pronto! Os problemas se evanescem...
            O mundo caminha a passos largos à bancarrota, seja moral, espiritual (num sentido não religioso do termo), política. O Brasil está a galope nessa direção, para nossa infelicidade.
            Ah se pensadores como Maquiavel, La Boétie, Orwell, Huxley pudessem analisar o Brasil... teriam de empregar a vida inteira na empreitada de explicar esse país.

*André Assi Barreto é estudante no Curso de Filosofia da São Judas Tadeu

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