Muito se fala sobre “reality shows”: poucos admitem que assistem a esse tipo de programa, mas continuam no ar há mais de uma década. Qual é a razão de seu sucesso?
Seriam os tais reality shows imposições da indústria cultural, no sentido que Horkheimer e Adorno deram a esse termo, uma forma de impor às massas um tipo de entretenimento alienante? Apenas mais um desdobramento do Aufklärung, que segundo Nietzsche apenas “um meio infalível para tornar os homens inseguros, com a vontade fraca, com desejo de ser conquistados e protegidos, em resumo, transformados em criaturas de rebanho”.
Podemos então relembrar Rousseau quando este afirma que “o homem nasce puro, mas a sociedade o corrompe”. As massas consomem o lixo que lhe é imposto porque não têm acesso aos biscoitos finos dos grandes artistas. Afinal, como diz Schiller, “o sentimento educado para a beleza refina os costumes”.
Trata-se então de “refinar os costumes da massa ignara”, dando a todos o acesso à grande literatura, a grande música, às artes plásticas. Realizar, portanto, uma verdadeira “educação estética do ser humano”.
Ora, tal constatação não está superestimando a sociedade atual? O que move o mundo de hoje, se não a busca pelo poder e pelos bens materiais? Um cronista da imprensa burguesa já afirmou que “ler não serve para nada”, e que “as pessoas mais bem-sucedidas de nosso país nunca leram um livro na vida”.
Pode-se desprezar o cronista, burguês medíocre a soldo da grande imprensa para perpetuar no poder detentores de ideologias reacionárias, mas não é possível ignorar esta constatação: a humanidade encontra-se em um período de absoluta decadência. Quem nega este fato, que indique: onde estão os grandes escritores? Os grandes músicos? Os grandes estadistas? Como é possível promover a “educação estética” do ser humano se não há mais os grandes estetas, os formadores de opiniões, aqueles gênios que com seu talento e expressividade vão moldar o gosto das “pessoas educadas”?
Em vez disso, o que assistimos é o triunfo da mediocridade, a hipervalorização do esteticismo mais reles (e não dos ideais estéticos!), o mundo para ver e ser visto, o desejo de acumular bugigangas e gadgets... um mundo onde a universidade serve apenas para preparar para o mercado de trabalho... E que o “mercado de trabalho” é esse? É a sociedade em que somos consumidores e não cidadãos, consumidores que servem apenas para movimentar a indústria, acumular bens de consumo, e que querem apenas satisfazer seus instintos mais vulgares nos reality shows... Consumir é o que importa!
O mundo moderno é um grande “reality show” e somos nós os participantes desse circo de horrores!
* Nelson José de Camargo é Bacharel em Filosofia - USP
Um comentário:
Nelson, meu caro!
Excelente texto!
O problema não é o capital, como muitos defendem. Mesmo porque o capital em si é inerte. Ou seja, ele não é, sem o significado que o sujeito (agente) lhe dar.
Deste modo, se faz necessário introduzir novos conceitos de humanidade capazes de produzir uma nova estética, que não a do consumismo.
Abraço.
Hailton
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