Por Nelson José de Camargo*
O ano de 20110 começou com uma série de revoltas nos países árabes do norte da África. Os protestos populares já causaram a renúncia dos ditadores da Tunísia e do Marrocos. Na Líbia, o ditador Muamar Khadafi tenta resistir no poder.
Qual a causa desses fenômenos? Seria a luta dos povos árabes por liberdade e democracia? Mas o que é democracia? Trata-se do modelo de democracia representativa predominante no mundo ocidental?
A chamada democracia ocidental burguesa não seria mais que um instrumento de dominação das massas, um sistema político destinado a impor os valores da classe dominante, a burguesia, sobre a população. Essa era a constatação dos marxistas. A liberdade estaria em substituir o modelo representativo burguês pala “ditadura do proletariado”, estado intermediário para a “sociedade sem classes” estágio ao qual a sociedade estaria inexoravelmente destinada segundo o “materialismo histórico”.
O que se observou, porém, é que os regimes marxistas tornaram-se ditaduras controladas pela burocracia do “partido”. Alguns desses regimes podem ser citados entre os mais cruéis e autoritários que o mundo já viu, como o de Pol Pot no Camboja, ou mesmo a ditadura stalinista na ex-União Soviética.
Se o marxismo fracassou em sua tentativa de libertar a humanidade da exploração das classes dominantes, o que podemos realmente chamar de “democracia” no mundo atual? O capitalismo do pós-guerra, marcado sobretudo pela ingerência do Estado, não representa afinal um bloqueio às possibilidades de emancipação? Esse capitalismo, e particularmente o capitalismo de Estado (predominante sobretudo na China a nova potência mundial), bloqueia estruturalmente qualquer possibilidade de superação vitoriosa da injustiça vigente e paralisa, portanto, a ação genuinamente transformadora, como dizem Horkheimer e Adorno da Dialektik der Aufklärung.
Se a democracia burguesa é somente uma forma de dominação, por que lutam os povos árabes? Querem sair de uma dominação para outra? É bom lembrar que a democracia representativa ocidental já era criticada por Rousseau no Contrato social: “O povo inglês pensa ser livre e engana-se. Não o é senão durante a eleição dos membros do Parlamento”. E afinal, seria a democracia, “a pior forma de governo, com exceção de todas as demais”, nas palavras irônicas de Churchill, compatível com o mundo árabe, onde predomina a cultura islâmica?
É preciso relembrar aqui que quando a “civilizada” Europa estava mergulhada nas travas da Idade Média, foram os árabes que preservaram a cultura e a filosofia gregas. Os mais importantes pensadores, cientistas e sábios do período medieval foram muçulmanos.
O que ocorre, na verdade, é que o islã ainda não conheceu sua “revolução francesa”, no sentido de se construir um Estado laico, que respeita as liberdades de filiação religiosa, pensamento e opinião. No entanto, esses valores libertários são agora facilmente divulgados pelas modernas mídias, particularmente as redes sociais da internet, e penetram até mesmo nos regimes mais repressivos.
Dizem muitos analistas que a revolta popular nos países árabes foi estimulada pelo acesso aos valores sociais do ocidente, que são divulgados por essas mídias. Isso significa, então, que a indústria cultural vai impor seus valores também no Islã?
Não necessariamente. É preciso lembrar que os países árabes têm valores culturais e morais seculares, bastante diversos dos vigentes no mundo ocidental. Mas o fenômeno das redes sociais não pode ser ignorado. Se por um lado favorece a imposição de certos valores, por outro lado dificulta a sobrevivência de regimes repressivos.
Se os povos árabes querem ou não a democracia representativa burguesa é uma questão discutível. Mas o que está fora de questão é que a humanidade precisa repensar seus valores de liberdade e democracia, e isso certamente ocorrerá ao longo dos próximos anos, independentemente de valores impostos por governos, culturas, religiões ou ideologias.
*Nelson José de Camargo é Bacharel em Filosofia
3 comentários:
Nelson, parabéns pelo artigo!
Você trouxe alguns filósofos para a discussão e, ficou muito bom.
Realmento o fenômeno "Internet" está "transformando" o mundo.
Estamos apenas no começo. Esses são os primeiros capítulos... Aguardemos, então, as próximas quedas.
Abraço.
Hailton
Nelson, ótima observação!
Eu ainda não vi nenhuma analista cientista político ou filósofo na mídia abordar por este lado.
Parabéns.
Efraim
Efraim,
E você? estamos aguardando seu texto para o blog!
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