Por Nelson José de Camargo*
Uma reflexão sobre o momento atual leva inevitavelmente a um questionamento: vale a pena estudar? Afinal, algumas das pessoas mais bem-sucedidas de nosso país não se destacaram pelo conhecimento que adquiriram nos bancos escolares. Poderíamos citar artistas, jogadores de futebol, políticos e personalidades de várias áreas e atividades.
O jovem de hoje pode tomar algumas dessas personalidades como modelos para justificar sua aversão à leitura e ao estudo. Perder tempo com livros é coisa de otário, de alguém que nunca alcançará o sucesso. O que se consegue com um diploma universitário: um emprego mal remunerado, sem “prestígio”. Afinal, o importante não é “ser”, mas “ter”.
Se o importante é acumular bens, valores como solidariedade, ética e respeito são “antiquados”, não fazem parte do mundo “moderno e globalizado”.
Podemos dizer que essa constatação é verdadeira. Afinal, um jogador de futebol pode ganhar muito mais que um engenheiro. Uma modelo que usa suas belas formas (por vezes auxiliada por cirurgias estéticas) será certamente mais bem-sucedida (financeiramente) do que uma professora. Um político pode se orgulhar da própria ignorância, e até dizer que “ler dá sono”, se conseguir agradar ao povo.
E o que é agradar ao povo? É promover o crescimento econômico, facilitar o crédito, inserir a maioria da população na “classe média” que pode comprar automóveis, televisores de alta definição, celulares cada vez mais sofisticados, tudo em suaves prestações. E a educação, como fica? Ora, ela não tem maior importância, é apenas um capricho de gente esquisita, que deixa de aproveitar as boas coisas da vida para perder tempo em meio a livros empoeirados em bibliotecas bolorentas.
Logo, bom governo é aquele que permite que a “classe média” consuma, e que dê aos pobres a oportunidade de se inserirem nessa “classe média”. Por esse critério, o melhor governo que o Brasil teve foi o do general Médici, época de maior crescimento econômico de nosso país, o famigerado “milagre brasileiro”.
Como a história nos ensina, um governo assim esmaga a oposição e se perpetua no poder. Basta olhar o mundo ao nosso redor é constatar como isso é verdade.
Acontece que esse tipo de política tem suas consequências. Um país de “consumidores” pode até ser bem-sucedido do ponto de vista econômico, mas jamais será uma potência. E o que é “potência”: é a nação que impõe valores, e não segue os valores de outras; uma nação que cria tecnologia, que revoluciona o conhecimento científico, que inova em todas as áreas do conhecimento, em vez de consumi-lo pronto e acabado.
A condição sine qua non para se construir uma nação-potência é oferecer uma educação de qualidade à população. Sem educação de qualidade, não há pesquisa científica. Sem pesquisa, não se encontram soluções para os novos problemas que sempre surgem. E sem as soluções, os países ditos “emergentes”, que se aproveitam de uma conjuntura econômica favorável para fazer crescer e ampliar o consumo, ficarão à mercê dessa mesma conjuntura econômica: na próxima crise, serão os primeiros a ser afetados. Pior que isso: sem investimento em ciência e tecnologia, serão sempre dependentes dos países que investem na formação de seus cidadãos.
Voltando à pergunta inicial: estudar vale a pena? Isso depende do futuro que queremos construir. Se o importante para alguém é acumular bens, ser valorizado pela aparência, pelas roupas que veste, pelo carro que tem na garagem, certamente não. Vale mais aproveitar ao máximo tudo o que a vida oferece, sem freios, sem limites. Ser livre para fazer aquilo que bem entender, sem perder tempo com coisas “chatas” como estudar.
Mas se queremos construir um país mais justo, desenvolvido e democrático, é preciso que cada um tenha a consciência de que “consumir” não é o mais importante. Ser cidadão não é poder comprar as últimas novidades em prestações mensais, nem assistir a “reality shows” em 3D. Cidadão é o que participa ativamente da vida em sociedade, que fiscaliza e acompanha os atos de políticos e autoridades, e que sobretudo procura se aperfeiçoar para tornar o mundo um lugar melhor.
Este é um caminho muito mais longo e tortuoso do que o oferecido pela “sociedade de consumo”, e requer esforço, estudo e determinação. Isso significa abrir mão de atividades “prazerosas”, de horas de lazer, e até de “consumir”. As maravilhas tecnológicas que encantam a geração atual só se tornaram possíveis porque cientistas passaram anos pesquisando em laboratórios, dedicando suas vidas para desvendar os segredos da natureza. E se vivemos em uma sociedade em que há liberdade de pensamento e expressão, isso só foi possível porque algumas pessoas sacrificaram suas próprias vidas para isso. Ter uma vida hedonista, em que tudo é permitido, pode até proporcionar uma existência prazerosa por algum tempo, mas inexoravelmente levará à decadência econômica, social e moral.
*Nelson José de Camargo é Bacharel em Filosofia e Jornalista
Um comentário:
Grande verdade!!!
Sou professora e sei como tem sido difícil conscientizar o aluno da importância do estudo.
Belo texto!
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