Por Nelson José de Camargo*
O massacre ocorrido no dia 7 de abril em uma escola do Rio de Janeiro nos leva a uma reflexão: como é possível que o ser humano, o único “ser racional”, o único capaz de agir contra seus instintos (conforme Rousseau) seja capaz de cometer atos tão bárbaros?
Nietzsche já disse que o homem é “um animal complexo, mendaz, artificial, não transparente, e para os outros animais inquietante, menos pela força que pela astúcia e inteligência, e inventou a boa consciência para chegar a fruir sua alma como algo simples”.
O psicopata que tirou a vida de 12 crianças e deixou outras tantas feridas, antes de acabar com a própria vida, a julgar pela “carta-testamento” que deixou, julgava-se um “puro” em um “mundo de impuros”. Isolado da sociedade, alheio a qualquer forma de relacionamento, vivia no próprio mundo. Exerceu de forma radical o ascetismo: é preciso livrar o mundo das “impurezas”, eliminar completamente o “pecado”, obsessões de sua mente doentia.
“A predominância do sentimento de abstinência sobre o sentimento de desejo é a origem de toda moral fictícia”, diz Nietzsche. O assassino do Realengo construiu então sua própria moral, na qual ele seria o “redentor” que livraria o mundo dos “impuros”. O perfeito asceta, imune a “imoralidade e decadência do mundo contemporâneo”.
A sociedade, estarrecida, cobra providências do Estado. É preciso controlar (ou proibir) a venda de armas; instalar detectores de metal nas escolas; reforçar a segurança; tornar as penas mais severas (até mesmo com a adoção da pena de morte, como querem alguns) para coibir a criminalidade. Serão medidas eficientes? Impediriam que massacres semelhantes ocorressem no futuro?
A resposta é não. Pois há limite para tudo, menos para a estupidez humana. Massacres semelhantes a esse já ocorreram nos Estados Unidos, na Alemanha, na Finlândia, países com elevado grau de desenvolvimento social e econômico.
O problema é mais profundo: trata-se da loucura humana, que não tem limites. Quem pode prever o que se passa na mente de cada um? O vizinho da esquina, um sujeito aparentemente pacato e perfeitamente normal, pode se tornar o próximo assassino.
O ser humano, para viver em sociedade, firmou os chamados contratos sociais. O Estado impede que o homem se torne o lobo do homem, como afirmava Hobbes. O ser humano racional “age como se a máxima de sua ação se devesse tornar, pela sua vontade, em lei universal da natureza”, segundo o imperativo categórico kantiano.
Acontece que nem sempre o ser humano é racional. Deixa-se, por vezes, dominar-se por instintos, pelas emoções, ou pelos afetos, na terminologia de Espinosa. A moral pode colocar freios nos instintos humanos, moderá-los e tornar possível a vida harmoniosa em sociedade. Mas é impossível prever quando uma mente doentia romperá com todos os paradigmas da moral, como toda racionalidade. E não podemos esquecer que alguns dos crimes mais bárbaros da história da humanidade foram cometidos em nome de uma “moral”. De uma moral que não é mais “expressão da vida, mas negação da dela – a moral como uma deterioração fundamental da fantasia, como um “olhar mau” para todas as coisas”, como quer Nietzsche.
É possível impedir que episódios como esse se repitam no futuro? Não. Mas é possível investir na formação de cidadãos éticos, solidários, dotados de senso crítico, estético, e que tenham um olhar “bom” para as coisas belas, especialmente para a vida. E assim vamos construir um mundo melhor, ainda que não imune a tragédias ocasionais, resultado da imprevisível e indomável mente humana.
*Nelson José de Camargo é Bacharel em Filosofia - USP
Um comentário:
Excelente texto!
Outro dia um deputado falava da necessidade de se proibir a venda de armas à civis... Oras, as armas não matam sem o puxar do gatilho. A questão é mais complexa. Sua origem passa pela educação de base. Se, pela educação o homem não se faz homem é porque ele não é um animal humano, mas apenas um "animal". A esse não há jeito que dê jeito como diria o comediante Falcão.
Abraço,
Hailton
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