sexta-feira, outubro 19, 2012

A “estética do consolo” como atributo de poder

Por Hailton Santos

Os novos tempos de Brasil culminam em uma sociedade desprestigiada, sem valores éticos e/ou motivação para o trabalho justo.

Num período multipolar no qual não faz mais sentido falar em verdade absoluta, mas em verdades questionáveis, há quem ainda postule e defenda uma única verdade. Nesse sentido, se você não pensa comigo está contra mim, logo é meu inimigo. É este, destarte, o sentimento de uma parcela da esquerda brasileira.

A “quadrilha do mensalão”, como assim classificou Joaquim Barbosa (ministro relator do processo), representa o desdobramento de um projeto de manutenção de poder patrocinado por forças de esquerda que tentam imprimir (a qualquer custo) sua ideologia em detrimento das demais. A historiografia nos diz que o poder que se faz pela força não se sustenta. E nesse sentido, a esquerda retrógrada de hoje não aprendeu com os erros praticados pelos jacobinos da revolução francesa (1789). Sem experiências democráticas, os radicais insistiram em restaurar regimes ultrapassados como parâmetros de uma República popular. Para tanto, era preciso impor um regime autoritário que fizesse valer a ideologia dominante. Daí o fracasso dos revolucionários ao tentar impor a vontade de um grupo em detrimento da liberdade de um povo.

Nesse sentido, o partido que patrocinou o “mensalão” segue os mesmos preceitos. Reprime a liberdade de expressão do congresso pela compra de apoio e, concomitantemente, do cidadão comum, já que o parlamentar é o legítimo representante do povo.

Filosofia se aprende na escola?

Por Nelson José de Camargo*


“Não se aprende Filosofia, mas a filosofar.” 

Kant.


Nos últimos anos, houve no Brasil uma notável expansão do nível de matriculados no ensino superior, mas a qualidade da maioria dos cursos não é boa. O grande gargalo da educação brasileira continua sendo o ensino médio, que não forma profissionais de nível técnico para o mercado de trabalho, nem oferece formação científica para quem deseja cursar cursos superiores na área de exatas. Há uma grande carência de engenheiros no país. Nesse contexto disciplinas como Filosofia e Sociologia foram introduzidas no ensino médio.

Mas o que é realmente “filosofar”? Por que Aristóteles, Descartes, Kant, Nietzsche, Heidegger e outros nomes mais ou menos ilustres tornaram-se “filósofos”?

Os grandes pensadores, enquadrados ou não na categoria de “filósofos”, foram movidos pelas grandes questões do mundo e da vida. O que é justiça? O que é belo? O que é a verdade? Qual o sentido da vida? A inquietação provocada por essas e outras questões é que produziu as grandes obras do pensamento humano.

O problema é que a filosofia deixou de ser reflexão para se tornar meramente análise de texto. Não são mais as grandes questões que movem os “filósofos” de hoje, mas sim o estudo metódico de um pensador específico. Essa “especialização” tira o caráter questionador e reflexivo da Filosofia, que afinal é sua razão de ser. Hoje o que se verifica é que a maioria dos professores de Filosofia é “especialista” em algum pensador. Há “kantianos”, “nietzschianos”, “hegelianos”, etc. Isso é Filosofia? Se for, Platão foi “especialista” em quem? E Aristóteles? E Espinosa, Schiller, Rousseau, Hume...

Se isso ocorre no ensino superior, que Filosofia será ensinada aos jovens do ensino médio? Os cursos serão de mera análise de texto, num nível muito menos profundo do que se faz na academia, ou haverá espaço para a verdadeira reflexão filosófica? Provavelmente nem uma coisa, nem outra. A Filosofia no ensino médio acabará servindo para doutrinar os jovens com ideias de anteontem.

*Nelson José de Camargo é Jornalista e Bacharel em Filosofia

terça-feira, outubro 02, 2012

Por que religião e política não se misturam

Por Nelson José de Camargo*

Durante séculos, a religião serviu como instrumento de dominação. Ao chegar ao Novo Mundo, os colonizadores europeus impuseram sua língua, seus costumes e sua religião com o pretexto de “civilizar” os povos que encontraram no continente americano.

Uma das conquistas do Iluminismo, ou esclarecimento, foi a separação entre Estado e Igreja, o que ocorreu no final do século XVIII. Pelo menos foi assim na maior parte do Ocidente, ainda que a liberdade de opinião e expressão tenha sido cerceada ainda por muito tempo mesmo nos países ditos democráticos. Mas em muitos países, sobretudo no Oriente Médio, a separação entre Estado e Igreja não ocorreu. Não houve “iluminismo” no Islã.

Na maioria dos países democráticos, há liberdade de expressão e opinião mesmo para quem não mostra reverência a símbolos ou personagens religiosos. No Islã, simples caricaturas do profeta Maomé ou um filme amador supostamente ofensivo aos muçulmanos podem causar grande tumulto, algo impensável nas democracias ocidentais.

Mesmo no Ocidente, a separação entre Estado e Igreja não foi completa, contudo, e as instituições religiosas continuaram desfrutando de poder e influência por muito tempo.

Quando o Brasil tornou-se independente de Portugal, por exemplo, nossa primeira Constituição determinava que “A Religião Católica Apostólica Romana continuará a ser a religião do Império. Todas as outras religiões serão permitidas com seu culto doméstico, ou particular, em casas para isso destinadas, sem forma alguma exterior de templo”.

Com a proclamação da República, o Brasil tornou-se um país laico, pelo menos oficialmente. Na prática, a religião católica continuou bastante influente. Um exemplo concreto é que o divórcio só foi instituído em nosso país em 1977, pois a Igreja Católica sempre se opôs (e ainda se opõe) à dissolução do casamento.

sábado, setembro 15, 2012

O que é ser classe média?

Por Nelson José de Camargo*
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Com o crescimento econômico e a melhoria das condições sociais verificadas nas últimas décadas no Brasil, fala-se muito na ascensão da “nova classe média”, ou “classe C”. Mas o que é ser classe média no Brasil?
Na verdade, trata-se de um conceito pouco definido. Quando, há alguns anos, foi noticiado o brutal assassinato dos pais de uma jovem universitária, crime que foi encomendado pela própria jovem, a família foi apresentada como sendo da “classe média” paulistana, embora vivesse em uma mansão em um bairro nobre.
Já uma pessoa que trabalha durante o dia e estuda em uma faculdade particular à noite também pode ser definida como de “classe média”, embora seus rendimentos não possam ser nem de longe comparados aos da família da jovem parricida.
No Brasil, ninguém se assume como “rico”, tampouco “de direita”. Vivemos em um país das maravilhas onde todas as pessoas bem-sucedidas são de “classe média” e de “centro-esquerda”.
O que é, então, a “classe média”? Trata-se, na verdade, da pequena-burguesia conservadora, defensora da “moral e dos bons costumes”, particularmente com a vida alheia (pois ser classe média é criticar os defeitos dos outros que ignora em si mesmo). Ser classe média é protestar contra a “corrupção do governo”, mas não ter nenhum pudor de recorrer ao “jeitinho” para obter benefícios pessoais. Ser classe média é ser contra o racismo, desde que os filhos não se casem com pessoas da “cor” ou “classe social” errada. Alguém da classe média é a favor da vida e totalmente contra o aborto, desde que a própria filha não fique grávida da pessoa errada na hora errada. É ser “ecológico” e sentir-se com a consciência limpa por usar uma sacola retornável nas compras no supermercado, mas “esquecer” que o esgoto da cada da praia (ou do campo) não é tratado. O indivíduo de “classe média” é adepto de todas as religiões, desde que isso não signifique a convivência com pessoas diferentes dele.
Um típico sujeito de classe média no Brasil não passa de um hipócrita.

*Nelson José de Camargo é Bacharel em filosofia e jornalista.

Liberdade, angústia e amor

Por Ana Lúcia Sorrentino*
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 Certa vez, assistindo a uma palestra de José Thomaz Brum1, impressionou-me a resposta do palestrante a um rapaz que lhe perguntou sobre o sentido da morte na obra de E. M. Cioran2. Disse Thomaz Brum que lhe parecia que quando Cioran falava sobre a morte não estava falando da morte tal qual a conhecemos, mas de tudo aquilo que não vivemos. Que logo que despontamos para a adolescência começamos a perceber o quanto a vida é rica em possibilidades, mas mesquinha em realizações. E que era a essa defasagem que Cioran provavelmente se referia. 

Algum tempo antes, eu lera um artigo de Gustavo Gitti3 em que ele colocava em questão exatamente essa discrepância entre a abundância com que a vida nos acena e a pouca vida que vivemos de fato. O foco central do texto eram os relacionamentos e Gitti usava um tom encorajador, estimulando o leitor a ser mais proativo na tentativa de realizar os próprios desejos. Defendia que todos queremos as mesmas coisas – atenção, carinho, amor - e que, portanto, devíamos ser mais corajosos na exposição de nossos sentimentos, e, enfim, mais transparentes e afetuosos.

Essa questão era recorrente nas minhas reflexões e imediatamente me identifiquei com as ideias do autor. Naquele momento, eu vinha protelando uma necessária conversa com um amigo, por temer sua reação à minha autoexposição. O texto de Gitti foi como um pontapé no traseiro, e me fez superar meus receios e ser clara. O que resultou numa enorme frustração, porque meu amigo não estava habituado a lidar com a clareza e menos ainda com a liberdade. Assustou-se, e passamos por um período conturbado que, felizmente, foi superado.