terça-feira, outubro 02, 2012

Por que religião e política não se misturam

Por Nelson José de Camargo*

Durante séculos, a religião serviu como instrumento de dominação. Ao chegar ao Novo Mundo, os colonizadores europeus impuseram sua língua, seus costumes e sua religião com o pretexto de “civilizar” os povos que encontraram no continente americano.

Uma das conquistas do Iluminismo, ou esclarecimento, foi a separação entre Estado e Igreja, o que ocorreu no final do século XVIII. Pelo menos foi assim na maior parte do Ocidente, ainda que a liberdade de opinião e expressão tenha sido cerceada ainda por muito tempo mesmo nos países ditos democráticos. Mas em muitos países, sobretudo no Oriente Médio, a separação entre Estado e Igreja não ocorreu. Não houve “iluminismo” no Islã.

Na maioria dos países democráticos, há liberdade de expressão e opinião mesmo para quem não mostra reverência a símbolos ou personagens religiosos. No Islã, simples caricaturas do profeta Maomé ou um filme amador supostamente ofensivo aos muçulmanos podem causar grande tumulto, algo impensável nas democracias ocidentais.

Mesmo no Ocidente, a separação entre Estado e Igreja não foi completa, contudo, e as instituições religiosas continuaram desfrutando de poder e influência por muito tempo.

Quando o Brasil tornou-se independente de Portugal, por exemplo, nossa primeira Constituição determinava que “A Religião Católica Apostólica Romana continuará a ser a religião do Império. Todas as outras religiões serão permitidas com seu culto doméstico, ou particular, em casas para isso destinadas, sem forma alguma exterior de templo”.

Com a proclamação da República, o Brasil tornou-se um país laico, pelo menos oficialmente. Na prática, a religião católica continuou bastante influente. Um exemplo concreto é que o divórcio só foi instituído em nosso país em 1977, pois a Igreja Católica sempre se opôs (e ainda se opõe) à dissolução do casamento.


O caso do aborto também é emblemático. Mulheres grávidas de crianças anencéfalas já foram impedidas de antecipar o parto, com base inclusive em decisões de juízes do Supremo Tribunal Federal. O Brasil continua sendo um dos países democráticos com legislação mais restritiva ao aborto, que só é permitido em caso de estupro ou risco de vida para a mãe. No Uruguai, nosso vizinho, o aborto foi regulamentado recentemente.

A igreja Católica não tem mais o poder e a influência que teve em épocas passadas, mas ainda não há entre nós efetiva separação entre Igreja e Estado. Basta observar a relação entre partidos políticos que representam interesses de igrejas evangélicas e o governo, seja na esfera federal, estadual ou municipal. Muitas emissoras de rádio e televisão são controladas por igrejas de várias denominações, consequência quase sempre de barganhas políticas no mínimo duvidosas.

Nas eleições municipais, há vários candidatos “pastores”, “apóstolos” ou representantes de diferentes igrejas ou crenças. Há até mesmo um candidato a prefeito que declarou “que deveria haver uma igreja em cada esquina”. Todos os políticos que se candidatam a qualquer cargo fazem questão de passar uma imagem de “devotos”. Um candidato a prefeito de São Paulo (que depois seria eleito presidente da República) teria perdido uma eleição ao dar uma resposta dúbia sobre sua crença em Deus...

O Brasil tem uma presidente mulher, já teve governadores e prefeitos negros. Há congressistas de diferentes etnias e orientações religiosas, políticas ou sexuais. Mas não consta que haja um político sequer que seja declaradamente ateu.

Só teremos uma verdadeira democracia neste país quando convicções religiosas forem definitivamente banidas do discurso político.

*Nelson José de Camargo é Jornalista e Bacharel em Filosofia

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