sábado, setembro 15, 2012

Liberdade, angústia e amor

Por Ana Lúcia Sorrentino*
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 Certa vez, assistindo a uma palestra de José Thomaz Brum1, impressionou-me a resposta do palestrante a um rapaz que lhe perguntou sobre o sentido da morte na obra de E. M. Cioran2. Disse Thomaz Brum que lhe parecia que quando Cioran falava sobre a morte não estava falando da morte tal qual a conhecemos, mas de tudo aquilo que não vivemos. Que logo que despontamos para a adolescência começamos a perceber o quanto a vida é rica em possibilidades, mas mesquinha em realizações. E que era a essa defasagem que Cioran provavelmente se referia. 

Algum tempo antes, eu lera um artigo de Gustavo Gitti3 em que ele colocava em questão exatamente essa discrepância entre a abundância com que a vida nos acena e a pouca vida que vivemos de fato. O foco central do texto eram os relacionamentos e Gitti usava um tom encorajador, estimulando o leitor a ser mais proativo na tentativa de realizar os próprios desejos. Defendia que todos queremos as mesmas coisas – atenção, carinho, amor - e que, portanto, devíamos ser mais corajosos na exposição de nossos sentimentos, e, enfim, mais transparentes e afetuosos.

Essa questão era recorrente nas minhas reflexões e imediatamente me identifiquei com as ideias do autor. Naquele momento, eu vinha protelando uma necessária conversa com um amigo, por temer sua reação à minha autoexposição. O texto de Gitti foi como um pontapé no traseiro, e me fez superar meus receios e ser clara. O que resultou numa enorme frustração, porque meu amigo não estava habituado a lidar com a clareza e menos ainda com a liberdade. Assustou-se, e passamos por um período conturbado que, felizmente, foi superado.

sábado, agosto 25, 2012

À sombra do poder

Por Nelson José de Camargo*
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Uma das maneiras de um grupo político se manter no poder é controlar os meios de comunicação. No passado, isso era feito principalmente de forma autoritária, com censura, perseguição e controle sobre a mídia.

Hoje em dia, vivemos em um país em que há liberdade de expressão e opinião. Mas nem sempre foi assim. Em períodos de arbítrio, a voz da imprensa livre foi muitas vezes calada. Alguns veículos da imprensa, porém, resistiram bravamente e desafiaram o autoritarismo.

Houve também as empresas de comunicação que preferiram contemporizar com o regime, seja por conveniência, seja por uma questão de sobrevivência.

Um caso particularmente delicado é o das emissoras de televisão. No Brasil, o serviço de televisão é uma concessão pública. Por isso, as emissoras têm menos liberdade para uma atuação realmente crítica e isenta em relação ao poder.

O exemplo mais emblemático é o da emissora líder de audiência no país. Com sede no Rio de Janeiro, a emissora prosperou no período mais negro da ditadura militar, sempre obtendo benesses do governo graças a sua posição de apoio, ainda que escamoteado, ao regime.

sábado, agosto 18, 2012

Má Fé: A Fuga da Liberdade

Por João Carlos Ruzza*

Uma questão central, recorrente e que, de certo modo, permeia quase toda obra sartreana é sem dúvida o problema da liberdade X contingência. Se a mesma afirmação poderia também ser estendida a grande parte da filosofia como um todo, na obra de Sartre ela ganha caráter de fundamentação e também surge como foco de controvérsias, críticas e análises, as mais diversas.

O objetivo deste ensaio é, fechando ainda mais o foco sobre tal questão, abordar o conceito sartreano de “má-fé” e suas possíveis implicações em relação à concepção de liberdade na obra de Sartre sem, no entanto, a menor pretensão de esgotar o assunto e sempre levando em consideração o espaço relativo a este trabalho.

Sabemos da importância da frase “a existência precede a essência” para o existencialismo de Sartre. Seu exemplo do “corta papel” no texto “O existencialismo é um Humanismo”, de 1970, diferencia diametralmente nós, humanos, daquilo que seriam os objetos inanimados e criados a partir de projetos elaborados com objetivos específicos. Quer dizer, se em relação a um corta papel podemos apontar sem problemas a idéia e o intuito que o gerou, a nós humanos o mesmo não se aplicaria, não haveriam pré-projetos relacionados a nossa gênese como seres humanos. Seria, então, contrariar a idéia aristotélica de que o homem possui uma essência, que significaria que ele é pré-definido por uma lei absoluta, niversal e pré existencial, e que sua liberdade estaria restringida ao campo de possibilidades (potências) que esta essência lhe permitiria.

Assim, se à idéia de humano podemos, de algum modo aplicar a idéia de projeto, este seria um projeto aberto, não determinado, criado e direcionado por nós mesmos a partir de nosso agora, de um nada que seria a constituição inaugural daquilo a que chamamos de consciência.

quarta-feira, junho 13, 2012

Por que a televisão emburrece

Por Nelson José de Camargo*
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A televisão brasileira é constantemente louvada como uma das mais criativas e dinâmicas do mundo. As telenovelas, principais atrações da emissora líder de audiência, são exportadas para diversos países. É verdade que hoje, embora ainda dominem a audiência no horário nobre, não detêm mais praticamente o monopólio da audiência, em virtude do crescimento da TV a cabo e da internet. A grande massa, porém, permanece sintonizada na “dramaturgia global”.

Isso significa que essa dramaturgia é de boa qualidade, pois consegue prender a atenção de parte significativa da população? Não, muito pelo contrário. Trata-se, na verdade, da imposição de um modelo emburrecedor e que pasteuriza a cultura nacional.

“O Aufklärung intelectual é um meio infalível para tornar os homens inseguros, com a vontade fraca, com desejo de ser conquistados e protegidos, em resumo, transformados em criaturas de rebanho”, como disse Nietzsche. E é exatamente o conjunto das “criaturas de rebanho” que prestigia os folhetins televisivos. As telenovelas “globais” não passam de subliteratura barata, repletas dos mais batidos clichês, que apelam cada vez mais para os mais sórdidos instintos.

Assiste-se a um desfilar de tipos caricatos, representados por grandes “atores e atrizes”, fluentes no carioquês pasteurizado, independentemente da origem de seus personagens. Esse tipo de lixo influencia a moda, os costumes, os bordões, a música e a cultura do país, até ser substituído pela próximo telelixo do horário, escrito pelo literato de araque de plantão.

terça-feira, maio 29, 2012

Por que o jornalismo não é isento

Por Nelson José de Camargo*
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Em mais um dos escândalos de corrupção divulgados pela mídia, um jornalista de uma revista semanal de informação foi acusado de cumplicidade com um contraventor. Em resposta, um geógrafo de bastante prestígio na mídia acusou o chefe de redação de outra revista de divulgar acusações falsas contra um profissional idôneo para desviar a atenção da CPI e protelar, quem sabe indefinidamente, o julgamento dos acusados. Segundo o geógrafo, este chefe de redação teria escrito editoriais elogiosos ao regime militar, citando até mesmo a fonte de onde os obteve.

Aqui está um exemplo típico de conflito de interesses entre dois grupos políticos. Um deles tem ligações com o principal partido de oposição, e o outro faz parte, ainda que indiretamente, do grupo que dá sustentação ao atual governo.

Isso é um problema brasileiro? Definitivamente não. A história da imprensa é semelhante em todos os países onde existe (relativa) liberdade de expressão. Qualquer veículo de comunicação tem como tarefa primordial, ainda que escamoteada,defender os interesses de grupos que os sustentam.