terça-feira, maio 29, 2012

Por que o jornalismo não é isento

Por Nelson José de Camargo*
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Em mais um dos escândalos de corrupção divulgados pela mídia, um jornalista de uma revista semanal de informação foi acusado de cumplicidade com um contraventor. Em resposta, um geógrafo de bastante prestígio na mídia acusou o chefe de redação de outra revista de divulgar acusações falsas contra um profissional idôneo para desviar a atenção da CPI e protelar, quem sabe indefinidamente, o julgamento dos acusados. Segundo o geógrafo, este chefe de redação teria escrito editoriais elogiosos ao regime militar, citando até mesmo a fonte de onde os obteve.

Aqui está um exemplo típico de conflito de interesses entre dois grupos políticos. Um deles tem ligações com o principal partido de oposição, e o outro faz parte, ainda que indiretamente, do grupo que dá sustentação ao atual governo.

Isso é um problema brasileiro? Definitivamente não. A história da imprensa é semelhante em todos os países onde existe (relativa) liberdade de expressão. Qualquer veículo de comunicação tem como tarefa primordial, ainda que escamoteada,defender os interesses de grupos que os sustentam.
Vejamos o caso, por exemplo, do jornal O Estado de S. Paulo, fundado em 1875 por um grupo de republicanos. O jornal se orgulha de representar a causa republicana desde suas origens, e de ter sustentado a campanha abolicionista, num tempo em que ainda havia escravidão no país. Isso é verdade. Mas o que o jornal não diz em seus editoriais é que nasceu para representar os interesses da oligarquia cafeeira e industrial paulista.

Oligarquia, como definiu Aristóteles na Política, é o “governo de poucos”, uma forma degenerada da aristocracia. Hoje a palavra aristocracia é geralmente empregada com conotação negativa, mas em Aristóteles tem sentido positivo: é o “governo dos melhores”, ou seja, o grupo das pessoas mais bem preparadas e qualificadas para exercer o poder.

Quanto às revistas semanais de informação, o caso é semelhante ao dos jornais. Todas elas têm compromissos com grupos políticos e econômicos. A mais conhecida revista semanal de informação, por exemplo, pertence a um grupo editorial que tem como uma de suas principais fontes de renda a venda de obras didáticas para o governo. Embora essa revista faça oposição implacável ao atual governo e quase semanalmente divulgue denúncias de corrupção, faz um silêncio ensurdecedor contra os “malfeitos” do governo anterior, ou mesmo contra o governo estadual, que é exercido pelo grupo político que representa.

O interessante é que essa mesma revista foi obrigada a demitir seu chefe de redação, durante o regime militar, para conseguir financiamento para ampliar seu parque gráfico. E esse mesmo jornalista, agora na revista concorrente, é acusado pelo geógrafo que escreve no “jornalão” de ter louvado o regime militar!

Tudo isso é para mostrar que os veículos de comunicação divulgam ou omitem as notícias conforme os interesses dos grupos que representam. Muitas vezes as informações que divulgam são verdadeiras, mas com frequência oferecem uma visão distorcida, quando não claramente inverídica, dos fatos.

O problema das emissoras de rádio e televisão é mais sério, pois são concessões públicas. Não há independência absoluta em relação a qualquer governo, seja de que “coloração” for.

Isso significa que não é possível confiar nos meios de comunicação? Até certo ponto. O leitor crítico será capaz de filtrar o noticiário, confrontar diversas fontes, ler nas entrelinhas e formar uma opinião sobre o que realmente está acontecendo. Não é tarefa fácil, mas é possível para quem é capaz de refletir sobre o que lê.

*Nelson José de Camargo é Graduado em filosofia e jornalista

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