sexta-feira, outubro 19, 2012

Filosofia se aprende na escola?

Por Nelson José de Camargo*


“Não se aprende Filosofia, mas a filosofar.” 

Kant.


Nos últimos anos, houve no Brasil uma notável expansão do nível de matriculados no ensino superior, mas a qualidade da maioria dos cursos não é boa. O grande gargalo da educação brasileira continua sendo o ensino médio, que não forma profissionais de nível técnico para o mercado de trabalho, nem oferece formação científica para quem deseja cursar cursos superiores na área de exatas. Há uma grande carência de engenheiros no país. Nesse contexto disciplinas como Filosofia e Sociologia foram introduzidas no ensino médio.

Mas o que é realmente “filosofar”? Por que Aristóteles, Descartes, Kant, Nietzsche, Heidegger e outros nomes mais ou menos ilustres tornaram-se “filósofos”?

Os grandes pensadores, enquadrados ou não na categoria de “filósofos”, foram movidos pelas grandes questões do mundo e da vida. O que é justiça? O que é belo? O que é a verdade? Qual o sentido da vida? A inquietação provocada por essas e outras questões é que produziu as grandes obras do pensamento humano.

O problema é que a filosofia deixou de ser reflexão para se tornar meramente análise de texto. Não são mais as grandes questões que movem os “filósofos” de hoje, mas sim o estudo metódico de um pensador específico. Essa “especialização” tira o caráter questionador e reflexivo da Filosofia, que afinal é sua razão de ser. Hoje o que se verifica é que a maioria dos professores de Filosofia é “especialista” em algum pensador. Há “kantianos”, “nietzschianos”, “hegelianos”, etc. Isso é Filosofia? Se for, Platão foi “especialista” em quem? E Aristóteles? E Espinosa, Schiller, Rousseau, Hume...

Se isso ocorre no ensino superior, que Filosofia será ensinada aos jovens do ensino médio? Os cursos serão de mera análise de texto, num nível muito menos profundo do que se faz na academia, ou haverá espaço para a verdadeira reflexão filosófica? Provavelmente nem uma coisa, nem outra. A Filosofia no ensino médio acabará servindo para doutrinar os jovens com ideias de anteontem.

*Nelson José de Camargo é Jornalista e Bacharel em Filosofia

4 comentários:

Rodrigo disse...

Uma visão muito pessimista que "a Filosofia no ensino médio acabará servindo para doutrinar os jovens com ideias de anteontem". Creio que o estudo a fundo de um pensador leva, obrigatoriamente e no mínimo, a estudar seus antecedentes e a discussão da época (para não falar na atualização desses pensadores no séc. XX e presentemente). De sorte que Kant, Hume, Spinoza, Hobbes etc leram tanto antigos, medievais e seus contemporâneos; Aristóteles e Platão têm um diálogo muito claro com os pré-socráticos, Hesíodo e Homero — que, por sua vez, continuaram uma discussão que vinha do Oriente... Filosofia não se faz sozinha pela mera reflexão, tampouco pela mera análise sistemática de texto. A questão é que não se aprende filosofia (no máximo história da filosofia, um pouco de cálculo lógico, rigor e análise conceitual); o que um professor pode é, na melhor das hipóteses, instrumentar o aluno para ele mesmo filosofar. Filosofia e ciências sociais no ensino médio são uma esperança da escola recuperar um pouco seu espírito crítico e humanista, para não se tornar objeto de consumo e os alunos em meros consumidores.

Hailton Santos disse...

Nelson, concordo em partes... Penso que a filosofia como atividade que trabalha o conceito, seja ela também de suma importância à formação de caráter dos jovens. Pois, é somente pela articulação de conceitos que podemos dissolver o existente. Agora, concordo que alguns professores mal-intencionados apenas querem imprimir sua ideologia.

Giovânia disse...

Nelson, acho que você não considerou as especificidades do ensino de filosofia na educação básica. O que descreve não é uma aula de filosofia, mas de história da filosofia. Dou aula NO EM e não é somente análise de textos, ou " cultura" filosófica que vivo em sala de aula. Já estamos bem mais a frente nessa discussão. tem uma coleção bem bacana da editora Moderna onde poderá conhecer alguns estudos. São três livros: Políticas do ensino da filosofia; Filosofia: caminhos para seu ensino; lugares da infância: filosofia. abs

Nelson disse...

Caros,

Uma coisa é como deveria ser o ensino de filosofia, seja no ensino médio, seja na universidade; outra coisa é como ele realmente é. O curso de filosofia da USP (que fiz) é basicamente um curso de história da Filosofia, com pouco espaço para a reflexão filosófica. Imagino o que professores (mal) formados pelas universidades ensinariam aos jovens do ensino médio: seria algo muito diferente de ideologias de anteontem?