Por Helena Novais*
Na semana passada estive com a cabeça bem distante do que ocorria na faculdade. Quase não apareci por lá. Em final de semestre isso não é nada bom. Mas tive um motivo: o desenvolvimento de um trabalho de pesquisa sobre marketing social que eu deveria finalizar naqueles dias. Além da fundamentação teórica, fiz estudo de caso. Como tive liberdade para escolher a empresa a ser estudada, escolhi uma multinacional que me interessa em especial. Esmiucei todo o histórico da empresa, sua linha de produtos e suas ações de marketing de cima abaixo e vice-versa. Foi uma boa oportunidade para desenvolver ainda mais o tema que apresentei no simpósio na USJT no ano passado. Agora além da perspectiva filosófica tenho um estudo de caso. Assim, se perco não assistindo as aulas, acabo ganhando de outro lado.
E vamos admitir: é inegável o poder de realização das grandes corporações! Uma companhia que é considerada a maior do mundo em seu segmento pode quase tudo. E sim, a atuação social de grande empresas, suas campanhas de “responsabilidade social” e “sustentabilidade” são boas. Muito boas! Desde que analisadas em si mesmas, com base nas informações emitidas pelas próprias empresas, não há de que falar mal. E convenhamos, não poderia ser de outra forma, já que a imagem institucional dessas empresas é gerida por profissionais de formação acadêmica e experiência prática comprovada... Mas eles às vezes se denunciam...
Li a declaração de um certo executivo que disse fazer parte do corpo diretor de uma companhia parceira de Ongs em projetos que beneficiam jovens... “que sofrem com o desemprego estrutural”... Desemprego estrutural... Se o desemprego é estrutural a mudança para evitá-lo também deve ser estrutural... Se assim não for, incorre-se na situação de adotar medidas paliativas para disfarçar algo que permanece na base e se renova. As ações de marketing social contribuem para a superação da estrutura vigente?
Aí eu caio na questão que permeia meu trabalho de Iniciação Científica: a garantia de condições dignas de vida para toda a humanidade só é possível por meio de uma revolução que substitua o capitalismo pelo socialismo... ou é possível, no interior do próprio sistema, chegar a um equilíbrio ideal? Assim, percebe-se que minha ausência das aulas de Filosofia, na verdade, acaba tendo tudo a ver com minha formação em Filosofia. Simpatias à parte, o fato é que como pesquisadora me sinto na obrigação de diferenciar paixão e razão, colocar cada uma no seu devido lugar e alcançar conclusões com o máximo de isenção.
O que fica mais forte para mim é a fala da Prof. Isabel Loureiro, que em certa entrevista, considerando a situação material absolutamente miserável e a total falta de perspectivas de grande parte da população, considerou que não se poderia desprezar as ações do Instituto Ethos e de suas empresas parceiras no sentido de levar alguma ajuda a essas pessoas, pois “pelo menos alguma coisa eles vão fazer”... Concordo! Mas a pergunta que não quer calar é: a que preço? E não, o meu estudo não diz respeito ao Ethos e às suas parceiras, apenas me refiro aqui à fala da Professora que mencionou essas entidades.
O grande debate que ocorre hoje entre os simpatizantes do socialismo diz respeito à elaboração de uma nova teoria social-democrata que leve em conta a crise energética, a crise ambiental e as possibilidades da economia solidária. Eu considero como necessário, também, pensar o efeito do marketing social sobre as comunidade e questionar se, no limite, ele não chegaria a ter efeitos positivos e seria um fator da própria revolução... Não é um questionamento tão ingênuo quanto pode parecer... Estou levando em conta as teorias da administração, que vêm surgindo desde fins do século XIX, e o quanto elas foram obrigadas a se curvar às necessidades humanas... Levo em conta a possibilidade de que haja algo subjacente à burocracia, algo que continue agindo livremente e imperceptivelmente, apesar do “engessamento” que ela promove.
Os direitos trabalhistas não surgiram porque patrões bonzinhos resolveram caridosamente beneficiar seus funcionários. As noções de motivação e qualidade de vida também não, assim como as ações do marketing social e o próprio conceito de sustentabilidade não nasceram da mera boa vontade dos executivos. São as necessidades que definem a história... E as necessidades mais básicas ignoram ideologias. As necessidades dos executivos da elite capitalista, assim como as necessidades dos líderes de esquerda estão em estágio diferente das necessidades de um deserdado da vida que não tem um teto, um emprego, nenhuma perspectiva... Como as massas miseráveis são maioria, são elas as mais fortes, embora não tenham consciência dessa força... Como sendo ricos ou pobres, todos carregamos as nossas misérias existenciais, são as nossas misérias as mais fortes... O mais forte, mesmo em inércia, e principalmente em inércia, exerce poder, resistindo ao movimento. E quais as leis e forças das necessidades?
Creio que desenvolver novas teorias implica, obrigatoriamente, ter maturidade para considerar o máximo de perspectivas possíveis. Não podemos passar mais um século perdidos em meio a lutas ideológicas. O planeta não nos dará esse tempo todo. É preciso, de alguma forma, ir além de ideologias e de disputas de poder no interior de segmentos regionais. Tanto em meio às lideranças de esquerda quando de direita, o que não falta são mentes poderosas, inteligências notáveis. Recursos para promover transformações profundas também não faltam. O que coloca tudo a perder é o orgulho e a falta de flexibilidade. O ser humano precisa ir além do humano para salvar o que nos resta de humanidade. Em outras palavras, é preciso repensar posições radicais.
*Helena Novais é graduada em Filosofia
Do blog divagações: http://helena-novais.blogspot.com/
Um comentário:
Quem não foi socialista aos 20 anos não tem coração; quem continua sendo depois dos 40 não tem cérebro; assim disse William Gladstone.
Quais são as perspectivas para o futuro da humanidade? Construir a sociedade sem classes? Certamente não. Mas pensar em um tipo de organização social em que seja mais importante ser do que ter; uma sociedade de cidadãos, não de "consumidores". É possível? Talvez. Depende de cada um de nós...
Postar um comentário