sábado, junho 18, 2011

O Mundo

Por Ana Lucia Sorrentino*
 
Ainda menina mimada, pernas finas e um leve e ingênuo corpo de pura credulidade, vi o Mundo sentado num canto, como que me esperando, receptivo, e cedi à tentação: sentei no colo do Mundo. Embora agitada, e mal podendo me conter ali, tanta coisa a se viver, o colo que o Mundo me oferecia era tão confortável e caloroso, e sua aceitação de mim tão grande, que rapidamente me habituei a recorrer a seu aconchego sempre que cansada da agitação da Vida.

Vez ou outra me esquecia de tudo o que não fosse Mundo. Recostava a cabeça em seu peito, sentia suas mãos firmes me segurando e chegava mesmo a cochilar, em total abandono.
Com o passar dos anos, a certeza de que o Mundo estaria ali, me esperando, sempre que o procurasse, se consolidou e passei a ter nele meu porto seguro.

Certa vez, mais encorpada, pés já tocando o chão, senti que talvez pesasse e causasse algum cansaço no mundo. Percebi uma tentativa dele em me acomodar melhor, como fora tão natural até então. Disfarçadamente, voltei-lhe a minha atenção.

E pela primeira vez, aflita, percebi que o mundo respirava. Simulei cansaço e encostei a cabeça, como tantas vezes já fizera, em seu peito. E pude ouvir o bater acelerado do seu coração. Lembro-me de ter me sentido arrepiar. Por instantes, me falhou o ar. E fiquei quieta, sentindo o pulsar de um mundo que até então parecia estar ali apenas pra me acomodar. Olhos fechados, deixei-me arrebatar, horrorizada, pela incrível constatação de que o Mundo vivia, e talvez sofresse com minha lépida alienação. Senti raiva da Vida, sempre me ocupando e me envolvendo em suas tramas. Com certeza era dela a culpa de tamanha desatenção.
Então não tive mais sossego.

E se a qualquer momento o Mundo não mais quisesse me acolher? Sofri antecipando uma falta até doída da firmeza de suas mãos. Temi não mais poder sentir aquele respirar e o pulsar cadenciado do seu coração.
E resolvi, intimamente, que seduziria o Mundo.
Mas... tão pouco caso fizera dele, que o pobre se ressentira e agora meus esforços pra que se mostrasse eram vãos. O Mundo se fechara numa timidez crônica e percebi que teria que partir de mim o esforço pra uma aproximação. Não mais me joguei em seu colo com estabano de menina. Sentava-me de lado e, sempre que possível, buscava seu olhar. Em vez de apenas esperar que suas mãos me amparassem, passei a tocá-las carinhosamente. Vez ou outra, as mãos do Mundo respondiam ao meu toque com um leve tremor. Certo dia encostei meu rosto ao dele, senti seu calor e vi, claramente, o mundo corar. Noutra ocasião corri os dedos por seu peito e ele suspirou.

O Mundo, em seus movimentos silenciosos, em sua relutância em se mostrar, se tornou um desafio... Que imensa vontade me dava de quebrar nossas barreiras, atingir o coração do Mundo e com ele namorar! Tive que ser paciente e ardilosa. Me mostrar para o encorajar. Aceitar sem julgar. E nunca, nunca, a seus pequenos arroubos de auto-exibição, me assustar.
Aos poucos, fui ganhando sua confiança.

Hoje, já consigo tocar o Mundo com mais intimidade. E embora ele ainda se retraia ao toque dos meus lábios, desconfio seriamente que o Mundo me deseje.

Amo tanto o Mundo e seus mistérios que chego a sofrer de tanto amar...

Nalgum dia ainda me embrenho por um desses labirintos da vida e encurralo o mundo num beco sem saída. Quero despi-lo e fazer com se mostre, sem pudor ou qualquer mágoa dos meus tempos de menina. Se bobear, ali mesmo, a céu aberto, me declaro apaixonada.

Quero ver então se me vendo desarmada e atrevida, e me reconhecendo mulher feita, o mundo terá, afinal, coragem de me penetrar.

*Analú é escritora e estudante no Curso de Filosofia da Universidade São Judas Tadeu
Texto original em: http://reencontrandosuaalma.blogspot.com/

Um comentário:

Nelson disse...

Mundo: um pálido planeta azul, na vastidão do universo. Será algo mais do que isso? E a vida? Será algo além de uma reunião mais ou menos caótica e temporária de átomos e moléculas? Se não for, qual é o sentido da vida? O sentido da vida é que a vida não tem sentido!