terça-feira, janeiro 25, 2011

Harmonia dos contrários


Uma interpretação do texto: “Da liberdade dos Antigos comparada à dos Modernos” de Benjamim Constant. In Revista Filosofia Política n.2, 1985.

Por Hailton Santos

Como o próprio título sugere, o texto analisa as representações sociais no que tange à liberdade no contexto antigo e moderno. O autor sugere a fusão entre estas duas formas de liberdade como postulado para uma humanidade mais justa e harmoniosa.

Logo no início do texto Constant faz críticas às lideranças do movimento revolucionário francês (1789). Para o autor, os jacobinos tinham uma visão profundamente equivocada de liberdade... Equivocaram-se, principalmente, em seguir modelos ultrapassados de democracia como o espartano e o gaulês, pois, “nunca houve de fato democracia nestas citadas repúblicas” afirma o autor.

Para Constant, falta aos modelos espartanos e gauleses a representatividade popular, que é uma descoberta exclusiva dos tempos modernos. O erro dos radicais da revolução francesa foi querer a qualquer custo restaurar esse conceito antigo de liberdade. Sem experiências democráticas, os radicais insistiram em restaurar regimes ultrapassados como parâmetros de uma República popular. Parâmetros que todos tinham de acatar sem restrições.

Daí o fracasso desse modelo. Como pode haver liberdade se há uma completa submissão do indivíduo à autoridade? Por outro lado, como promover a harmonia dos povos numa sociedade em que se predominam os valores individuais, como é a norma na sociedade moderna?

A proposta de Constant é que na busca por liberdade política (coisa dos antigos) se contemple, etambém, o conceito de liberdade privada (coisa dos modernos). Faz-se necessário, portanto, um modelo de democracia que seja de fato representação popular. Segundo o autor, somente dessa forma o cidadão é livre para se expressar, escolher um trabalho ou fazê-lo à sua maneira. É também nesse modelo que o cidadão é livre para dispor de sua propriedade e inclusive abusar dela. No modelo representativo o cidadão tem o direito de ir e vir sem pedir permissão a quem quer que seja; é direito do cidadão reunir-se com outras pessoas para o seu próprio interesse; o cidadão é livre para participar do governo à sua maneira, sem imposições ou sanções alheias.

Já no modelo dos antigos, a liberdade está associada ao exercício do coletivo, que no fundo é uma repressão à “vontade particular”. Vale, portanto, a total obediência à “vontade geral”. Neste modelo, portanto, “o individuo quase sempre soberano nas questões públicas é escravo em todos os assuntos privados”.

Enquanto a autoridade dos antigos estava implícita na vontade do governante, a autoridade dos modernos, ao contrário, é constituída por uma vontade popular. O governante é a representação do povo e não o seu contrário.

Deste modo, o grande erro dos jacobinos foi não atentar para essa diferença. Ou seja, forçaram os indivíduos a agirem como se fossem romanos ou gregos, entregues inteiramente às coisas públicas. Para Constant, esse retorno já não é mais possível. O conceito de liberdade das Repúblicas antigas não é aceitável nos tempos modernos. Não é possível aceitar que, por alguém não compartilhar das ideias dominantes, lhe seja tirado o direito de propriedade; ou que se proíba o comerciante de conduzir o seu negócio; privar arbitrariamente o esposo da companhia da esposa; retirar dos pais o pátrio poder sobre os filhos; impedir o escritor de exercer suas meditações intelectuais. Constant está convencido de que a censura não garante bons costumes. A liberdade individual é a verdadeira liberdade para os modernos. No entanto, a liberdade política dos antigos é pressuposto indispensável para garantir a primeira. Ou seja, a liberdade dos antigos e a dos modernos não estão dissociadas, mas uma não existe sem outra.

Portanto, a prática moral dos antigos (na sua integridade) já não cabe mais no mundo moderno. De nada valeram as boas intenções dos jacobinos, os “amigos da humanidade”. Os modernos não aceitam mais tornarem-se escravos da vontade coletiva.

Se no modelo antigo o perigo é que cidadãos relaxem nos seus direitos e garantias individuais em prol da participação efetiva no poder social, no modelo da modernidade a preocupação é que os cidadãos, satisfeitos suas necessidades individuais, renuncie muito facilmente ao direito de participar do poder político. Esse perigo é iminente. Assim escreve Constant: “Renunciar à participação no poder político é construir um prédio sobre a areia sem fundação”. Em outras palavras, se nos afastarmos cada vez mais das decisões públicas, teremos como consequência a perda de liberdade privada.

A crítica que se faz é que à humanada não se deve buscar apenas felicidade particular, mas procurar o aperfeiçoamento contínuo. E, nesse sentido, “a liberdade política é o mais poderoso, o mais enérgico modo de aperfeiçoamento que o céu nos concedeu”, segundo Benjamim Constant.

Conclui-se que não se trata de considerar um modelo de liberdade em detrimento de outro. É tarefa aos legisladores abarcar em seus projetos futuros um modelo de liberdade que combine os conceitos de liberdade aqui destacados. A dignidade moral do gênero humano passa por essa combinação.

2 comentários:

Nelson disse...

Colega,

Interessante o seu texto. Faz pensar sobre aspectos de o Contrato Social de Rousseau, a Política, de Aristóteles, a República, de Platão, e o Leviatã, de Hobbes, para comparar e aprofundar os conceitos de liberdade e democracia.

Hailton disse...

Valeu, Nelson!
Obrigado pelo comentário.
Abraço.