sábado, setembro 15, 2012

O que é ser classe média?

Por Nelson José de Camargo*
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Com o crescimento econômico e a melhoria das condições sociais verificadas nas últimas décadas no Brasil, fala-se muito na ascensão da “nova classe média”, ou “classe C”. Mas o que é ser classe média no Brasil?
Na verdade, trata-se de um conceito pouco definido. Quando, há alguns anos, foi noticiado o brutal assassinato dos pais de uma jovem universitária, crime que foi encomendado pela própria jovem, a família foi apresentada como sendo da “classe média” paulistana, embora vivesse em uma mansão em um bairro nobre.
Já uma pessoa que trabalha durante o dia e estuda em uma faculdade particular à noite também pode ser definida como de “classe média”, embora seus rendimentos não possam ser nem de longe comparados aos da família da jovem parricida.
No Brasil, ninguém se assume como “rico”, tampouco “de direita”. Vivemos em um país das maravilhas onde todas as pessoas bem-sucedidas são de “classe média” e de “centro-esquerda”.
O que é, então, a “classe média”? Trata-se, na verdade, da pequena-burguesia conservadora, defensora da “moral e dos bons costumes”, particularmente com a vida alheia (pois ser classe média é criticar os defeitos dos outros que ignora em si mesmo). Ser classe média é protestar contra a “corrupção do governo”, mas não ter nenhum pudor de recorrer ao “jeitinho” para obter benefícios pessoais. Ser classe média é ser contra o racismo, desde que os filhos não se casem com pessoas da “cor” ou “classe social” errada. Alguém da classe média é a favor da vida e totalmente contra o aborto, desde que a própria filha não fique grávida da pessoa errada na hora errada. É ser “ecológico” e sentir-se com a consciência limpa por usar uma sacola retornável nas compras no supermercado, mas “esquecer” que o esgoto da cada da praia (ou do campo) não é tratado. O indivíduo de “classe média” é adepto de todas as religiões, desde que isso não signifique a convivência com pessoas diferentes dele.
Um típico sujeito de classe média no Brasil não passa de um hipócrita.

*Nelson José de Camargo é Bacharel em filosofia e jornalista.

Liberdade, angústia e amor

Por Ana Lúcia Sorrentino*
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 Certa vez, assistindo a uma palestra de José Thomaz Brum1, impressionou-me a resposta do palestrante a um rapaz que lhe perguntou sobre o sentido da morte na obra de E. M. Cioran2. Disse Thomaz Brum que lhe parecia que quando Cioran falava sobre a morte não estava falando da morte tal qual a conhecemos, mas de tudo aquilo que não vivemos. Que logo que despontamos para a adolescência começamos a perceber o quanto a vida é rica em possibilidades, mas mesquinha em realizações. E que era a essa defasagem que Cioran provavelmente se referia. 

Algum tempo antes, eu lera um artigo de Gustavo Gitti3 em que ele colocava em questão exatamente essa discrepância entre a abundância com que a vida nos acena e a pouca vida que vivemos de fato. O foco central do texto eram os relacionamentos e Gitti usava um tom encorajador, estimulando o leitor a ser mais proativo na tentativa de realizar os próprios desejos. Defendia que todos queremos as mesmas coisas – atenção, carinho, amor - e que, portanto, devíamos ser mais corajosos na exposição de nossos sentimentos, e, enfim, mais transparentes e afetuosos.

Essa questão era recorrente nas minhas reflexões e imediatamente me identifiquei com as ideias do autor. Naquele momento, eu vinha protelando uma necessária conversa com um amigo, por temer sua reação à minha autoexposição. O texto de Gitti foi como um pontapé no traseiro, e me fez superar meus receios e ser clara. O que resultou numa enorme frustração, porque meu amigo não estava habituado a lidar com a clareza e menos ainda com a liberdade. Assustou-se, e passamos por um período conturbado que, felizmente, foi superado.

sábado, agosto 25, 2012

À sombra do poder

Por Nelson José de Camargo*
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Uma das maneiras de um grupo político se manter no poder é controlar os meios de comunicação. No passado, isso era feito principalmente de forma autoritária, com censura, perseguição e controle sobre a mídia.

Hoje em dia, vivemos em um país em que há liberdade de expressão e opinião. Mas nem sempre foi assim. Em períodos de arbítrio, a voz da imprensa livre foi muitas vezes calada. Alguns veículos da imprensa, porém, resistiram bravamente e desafiaram o autoritarismo.

Houve também as empresas de comunicação que preferiram contemporizar com o regime, seja por conveniência, seja por uma questão de sobrevivência.

Um caso particularmente delicado é o das emissoras de televisão. No Brasil, o serviço de televisão é uma concessão pública. Por isso, as emissoras têm menos liberdade para uma atuação realmente crítica e isenta em relação ao poder.

O exemplo mais emblemático é o da emissora líder de audiência no país. Com sede no Rio de Janeiro, a emissora prosperou no período mais negro da ditadura militar, sempre obtendo benesses do governo graças a sua posição de apoio, ainda que escamoteado, ao regime.

sábado, agosto 18, 2012

Má Fé: A Fuga da Liberdade

Por João Carlos Ruzza*

Uma questão central, recorrente e que, de certo modo, permeia quase toda obra sartreana é sem dúvida o problema da liberdade X contingência. Se a mesma afirmação poderia também ser estendida a grande parte da filosofia como um todo, na obra de Sartre ela ganha caráter de fundamentação e também surge como foco de controvérsias, críticas e análises, as mais diversas.

O objetivo deste ensaio é, fechando ainda mais o foco sobre tal questão, abordar o conceito sartreano de “má-fé” e suas possíveis implicações em relação à concepção de liberdade na obra de Sartre sem, no entanto, a menor pretensão de esgotar o assunto e sempre levando em consideração o espaço relativo a este trabalho.

Sabemos da importância da frase “a existência precede a essência” para o existencialismo de Sartre. Seu exemplo do “corta papel” no texto “O existencialismo é um Humanismo”, de 1970, diferencia diametralmente nós, humanos, daquilo que seriam os objetos inanimados e criados a partir de projetos elaborados com objetivos específicos. Quer dizer, se em relação a um corta papel podemos apontar sem problemas a idéia e o intuito que o gerou, a nós humanos o mesmo não se aplicaria, não haveriam pré-projetos relacionados a nossa gênese como seres humanos. Seria, então, contrariar a idéia aristotélica de que o homem possui uma essência, que significaria que ele é pré-definido por uma lei absoluta, niversal e pré existencial, e que sua liberdade estaria restringida ao campo de possibilidades (potências) que esta essência lhe permitiria.

Assim, se à idéia de humano podemos, de algum modo aplicar a idéia de projeto, este seria um projeto aberto, não determinado, criado e direcionado por nós mesmos a partir de nosso agora, de um nada que seria a constituição inaugural daquilo a que chamamos de consciência.

quarta-feira, junho 13, 2012

Por que a televisão emburrece

Por Nelson José de Camargo*
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A televisão brasileira é constantemente louvada como uma das mais criativas e dinâmicas do mundo. As telenovelas, principais atrações da emissora líder de audiência, são exportadas para diversos países. É verdade que hoje, embora ainda dominem a audiência no horário nobre, não detêm mais praticamente o monopólio da audiência, em virtude do crescimento da TV a cabo e da internet. A grande massa, porém, permanece sintonizada na “dramaturgia global”.

Isso significa que essa dramaturgia é de boa qualidade, pois consegue prender a atenção de parte significativa da população? Não, muito pelo contrário. Trata-se, na verdade, da imposição de um modelo emburrecedor e que pasteuriza a cultura nacional.

“O Aufklärung intelectual é um meio infalível para tornar os homens inseguros, com a vontade fraca, com desejo de ser conquistados e protegidos, em resumo, transformados em criaturas de rebanho”, como disse Nietzsche. E é exatamente o conjunto das “criaturas de rebanho” que prestigia os folhetins televisivos. As telenovelas “globais” não passam de subliteratura barata, repletas dos mais batidos clichês, que apelam cada vez mais para os mais sórdidos instintos.

Assiste-se a um desfilar de tipos caricatos, representados por grandes “atores e atrizes”, fluentes no carioquês pasteurizado, independentemente da origem de seus personagens. Esse tipo de lixo influencia a moda, os costumes, os bordões, a música e a cultura do país, até ser substituído pela próximo telelixo do horário, escrito pelo literato de araque de plantão.