Por Nelson José de Camargo*
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A ação de ativistas de defesa dos animais que “resgatou” 178 cães da raça beagle que seriam usados em testes levanta a seguinte questão: é ético fazer testes em animais? É ético, em qualquer circunstância, matar animais, ainda que seja para alimentação?
Tem crescido no mundo o número de adeptos do vegetarianismo radical, que se autodenominam vegans (ou veganos). Tais pessoas recusam-se a consumir qualquer produto de origem animal, inclusive leite e ovos e seus derivados, e com frequência promovem ações semelhantes ao do “resgate” dos beagles.
Peter Singer, filósofo australiano, já revelou simpatia pelas posições dos vegans. Uma vez que os animais são seres que sentem dor, sofrem e têm, segundo pesquisas científicas, até mesmo formas de linguagem e raciocínio, não seria aceitável usá-los em testes de medicamentos e muito menos na alimentação.
Na natureza há dois tipos de seres vivos: os autótrofos, como plantas e alguns microrganismos, que são capazes de produzir seu próprio alimento, por fotossíntese ou quimiossíntese; e os heterotróficos, que precisam obter alimento a partir de outros seres vivos. No caso dos heterótrofos, há os consumidores primários, cuja dieta é estritamente vegetariana; e há consumidores secundários, terciários etc.; eles se alimentam de outros heterótrofos, isto é, de plantas e/ou de outros animais.
Os animais estritamente vegetarianos apresentam em seu sistema digestório microrganismos capazes de digerir a celulose, substância que reveste as células vegetais e que não pode ser digerida por nenhum animal pluricelular. É graças a esses microrganismos que os animais herbívoros podem tirar seu sustento exclusivamente de vegetais.
O ser humano não apresenta tais microrganismos em seu sistema digestório. Além disso, é dotado de dentes caninos, característica de animais carnívoros. Ao longo da evolução, a carne sempre esteve presente em sua dieta, além dos vegetais, excetuando-se folhas de gramíneas, que são indigeríveis para seres não herbívoros. Existem grupos humanos que são exclusivamente carnívoros, como os inuítes (esquimós), uma vez que vivem em um ambiente em que não há vegetação. Outros ainda vivem da caça e da pesca, como os indígenas, “povos da floresta que vivem em harmonia com a natureza”, pela definição politicamente correta. Deve ser por isso que nenhum “ativista” foi protestar contra as caçadas dos indígenas...
O fato inquestionável é que todo ser vivo heterótrofo alimenta-se de outro ser vivo, seja animal ou vegetal. A vida sustenta a vida.
Os vegans não se importam de consumir vegetais, pois as plantas não gritam ao ser arrancadas do solo, ao contrário de um porco quando vai ser abatido para o consumo de sua carne. Uma folha de alface não faz uma expressão triste quando é mastigada, ao contrário dos bois que seguem cabisbaixos para o matadouro.
Aristóteles considerava que todos os seres vivos, inclusive as plantas, seriam dotados do que chamou de psiqué, ou anima, na traduçã
o latina. Esta palavra originou o termo “alma”. Todos os seres seriam dotados da “alma nutritiva”, responsável pelo crescimento e desenvolvimento; homens e animais teriam, além desta, a alma sensitiva, pela qual percebem o mundo exterior e podem manifestar dor, prazer, alegria etc. Por fim, apenas o homem teria a alma intelectiva, responsável pelo raciocínio.
Ou seja, há mais de 2 mil anos Aristóteles atribuía “alma” a todos os seres, inclusive àqueles que os vegans devoram sem nenhum sentimento de culpa. O que seria deles se as plantas “gritassem”? E será possível afirmar realmente que as plantas não têm nenhuma “sensação”? No século XVII, Descartes acreditava que os animais eram como autômatos, totalmente desprovidos de emoções e sentimentos, e hoje sabemos que ele estava errado quanto a isso. Alguém pode prever as descobertas da ciência?
É claro que muitas pesquisas hoje em dia podem prescindir de testes em animais. Em algumas seu uso é absolutamente injustificado, como testes de cosméticos. Mas quantos avanços da ciência em geral e da medicina em particular só foram possíveis graças aos testes com animais? Quantas pessoas (e animais) foram beneficiadas com novos medicamentos? Sim, animais também precisam de vacinas e de medicamentos!
Os ativistas resgataram os belos e fofos beagles do laboratório. Mas ignoraram os ratinhos que estavam lá. George Orwell tinha mesmo razão: todos os animais são iguais, mas alguns são mais iguais que os outros...
*Nelson José de Camargo é graduado em Filosofia e Jornalismo
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