sexta-feira, julho 19, 2013

Por que não estudar humanas

Por Nelson José de Camargo*
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A conclusão do ensino médio é uma etapa importante na vida dos jovens. É o momento de pensar no ingresso em uma instituição de ensino superior. Hoje, pouco menos de 20% dos estudantes brasileiros conseguem atingir essa etapa do ensino, ainda um número pequeno, mas significativamente maior do que há alguns anos.

E a grande maioria dos estudantes opta por ingressar em cursos das chamadas ciências humanas. Afinal, 76% dos cursos universitários oferecidos no país, por instituições públicas e privadas, são da área de humanas. E pouco mais de 8% optam pelas diversas engenharias.

Este é com certeza um dos efeitos da trágica situação do ensino básico em nosso país. Nas últimas décadas, houve uma preocupação de ampliar o acesso à educação básica, e que de fato se conseguiu. Hoje, quase todas as crianças brasileiras estão incluídas no ensino básico. Mas não houve cuidado com a qualidade da educação oferecida, especialmente no ensino de matemática e ciências.

Muitas pessoas defendem que a principal ênfase do ensino deve ser no ensino da língua pátria. A redação tem caráter eliminatório no Enem e na maioria dos vestibulares e processos seletivos. Além disso, conteúdos de literatura são cobrados nesses exames.

Consequentemente, é imposta aos estudantes do ensino médio a leitura de autores clássicos como machado de Assis, Guimarães Rosa e outros. Mas quantos estudantes do ensino médio concluem o curso dominando álgebra, com conhecimentos básicos de geometria, de física, de química? Que parcela detém o conhecimento de cálculo?
Recentemente, foram incluídas no ensino médio as disciplinas de Filosofia e Sociologia, o que aumenta ainda mais o porcentual das ciências humanas no currículo escolar. Enquanto isso, faltam médicos, engenheiros, técnicos.

No início dos anos 1950, a Coreia do Sul era um dos países mais pobres do mundo. E a China era extremamente pobre até os anos 1980. Esses países investiram maciçamente em educação, com ênfase em matemática e ciências. A Coréia do Sul é hoje um dos chamados tigres asiáticos, e algumas empresas sul-coreanas são líderes mundiais em seus segmentos. A China, embora ainda seja uma ditadura de partido único, é uma potência econômica.

Como se deu essa transformação? Com investimento em áreas realmente necessárias. Na China, 35% dos formados em ensino superior são engenheiros; na Coreia do Sul, 25%; no Brasil, 6%.

A esmagadora maioria dos universitários brasileiros se forma em humanas, e por isso há excesso de profissionais nessas áreas, o que achata salários, precariza relações de trabalho e estimula a informalidade. Enquanto isso, vagas para áreas técnicas não são preenchidas, e o governo fala em “importar” médicos...

Platão, em sua sociedade ideal, quis expulsar os poetas. Talvez não seja uma má ideia... Consta que na entrada se sua célebre academia mandou por os dizeres: “Que aqui não entre quem desconheça a geometria”.

Se tal expressão estivesse na fachada das escolas brasileiras, elas se tornariam desertos!

Certamente o grande filósofo grego não aprovaria a inclusão de Filosofia na escolaridade dos jovens.

Errar é humanas!

*Nelson José de Camargo é graduado em jornalismo e filosofia


2 comentários:

ruzza68 disse...

Caramba Nelson, você escreve muito bem é muito conciso mas preciso dizer que seria capaz de discordar de praticamente todos pontos de seu texto.

Acho que o correto seria um debate mais amplo do que um comentário a um texto seu. Afinal, é sempre mais prático, criticar do que propor mas eu realamente me espanto com suas colocações e estaria aberto a debate-las no espaço adequado.

Por exemplo: acho sua visão sobre educação extremamente funcionalista e instrumentalizadora. Aceitar que escola (academia) e lugar para formar mão de obra para o mercado é complicado. Pelo menos para nós, enquanto pensadores e não mercadores.

China? Coréia do sul? São exemplos talvez, num gráfico meramente economico, mas são reais exemplos para um Humano em sua completude?

Platão foi fundamental ao pensamento ocidental, mas também disse bobagens e outras coisas interessantes, mas que perdem a validade quando aplicadas de modo tão simplista e em contextos tão distinto. O medo dos poetas se referia ao desvio "de uma verdade" que só seria alcançada em outro mundo. Literalmente e Fedro e na Republica, em partes. Era uma tolice, ao meu ver, quase religiosa. E para mim deu no que deu. Mas insisto, seu pensamento foi e é importantíssimo, desde que filtrado e devidamente criticado.

De qualquer modo, seu texto é corajoso, e discutir a pobre e ridícula educação em nosso país e sempre importante e quem o faz, mesmo que em discordância em relação ao que penso, merece o meu respeito. Continue!

Nelson disse...

Meu caro, a educação é muito mais que preparar para o mercado de trabalho. Sua função é formar cidadãos, e é óbvio que isso inclui uma formação humanística. Mas um país em desenvolvimento como o Brasil precisa de cientistas, de técnicos, de engenheiros, e nenhum governo (seja o atual ou os anteriores) investiu para formar esses profissionais. Muito pelo contrário. As atitudes foram sempre de incluir no ensino, e isso foi conseguido, pelo menos na educação básica. Mas a qualidade das escolas brasileiras é infelizmente muito ruim.
Claro que Platão disse bobagens, ele é homem de seu tempo. Mas estou certo que criticaria o desconhecimento que os jovens atuais têm de ciência e matemática.
Meu texto foi uma provocação e fico feliz que você tenha percebido isso.